Ao longo da vida passamos por situações, as mais variadas, que nos despertam diferentes emoções e sentimentos. Quando somos tomados por bons sentimentos, via de regra, nos sentimos plenos, leves e realizados. Achamos que a vida vale a pena, que as coisas caminham bem, e sentimos que podemos continuar a trilhar naquela direção.
Entretanto, quando somos tomados por sentimentos ditos “negativos”, como raiva, ódio, ira, inveja, dentre outros, não gostamos das sensações despertadas. São sensações incômodas que, em geral, acordam “leões” adormecidos dentro de nós e nos levam a questionar o caminho que estamos seguindo. Podemos nos sentir perdidos, inseguros e assustados com a intensidade com que somos tomados pelas situações.
Quando isso acontece, nossa tendência é tentar anular esses sentimentos, seja pela supressão, repressão ou pela simples liberação (descarga) de tudo aquilo que estamos sentindo. Sentimo-nos frustrados e queremos que tudo aquilo passe logo. A dor sentida é grande e, então, temos medo de não agüentar e explodir, ou de nos perdermos no abismo profundo de nosso lado “negro”.
Essas sensações desagradáveis despertadas são tanto mais insuportáveis de lidar conforme a capacidade que temos, ou não, de contê-las e transformá-las, de modo a se tornarem úteis para nós. Esse processo está ligado a nossa capacidade de tolerar frustrações.
Embora seja sempre muito desagradável a sensação causada pela frustração, podemos tirar partido dessa situação em prol de nosso desenvolvimento pessoal.
Você deve estar se perguntando, como sentimentos ruins e sensações desagradáveis podem se tornar úteis para nós de algum modo. Pois bem, eles não só podem, como são necessários para o amadurecimento psíquico e para a integração de nossa personalidade.
Por mais que lutemos contra, é fato que não somos só constituídos de sentimentos nobres e emoções agradáveis. Do mesmo modo, nem sempre conseguimos, em nossa vida, ter reações adequadas e socialmente aceitas. Entretanto, temos a tendência de tentar, a todo custo, evitar sentimentos desagradáveis, nos permitindo apenas “sentimentos nobres”, “emoções prazerosas” e “reações mais adequadas”.
Somos seres dinâmicos e, como tal, constituídos de luz e sombra, amor e ódio, paz e conflito. Existem camadas de nosso psiquismo e partes de nossa personalidade que ainda não conhecemos. O que há em nós de conhecido se contrapõe a tudo que não sabemos ou não tomamos contato, que é nossa sombra. E essa sombra nos constitui tanto quanto o que há de “luz” em nós. Sem ela, não somos inteiros, não estamos íntegros. Acabamos compondo só uma parte da história, como se houvesse só “mocinhos”.
Entretanto, não há história completa sem “bandidos”, que representam tudo aquilo que há de não-conhecido, não-aceito ou não-integrado em nós. Eles nos incomodam muito, e enquanto permanecem inconscientes, aprisionados em nosso “calabouço” psíquico, atuam sorrateiramente, provocando diferentes emoções, sensações, e reações muitas vezes impensadas, inesperadas, ou até mesmo compulsivas, que podem parecer sem sentido ou caminhando na contramão da nossa vontade consciente.
Se houver disponibilidade para encarar nossos próprios inimigos internos podemos nos surpreender com o resultado. “Dar vida” ao lado negro e obscuro de nossa personalidade, pode ser o caminho não só para que não sejamos pegos de calça curta por nossos “bandidos”, como para que possamos integrá-los em nossa personalidade, enriquecendo nossa experiência emocional e propiciando o desenvolvimento psíquico.
Sempre que há frustração é útil nos perguntarmos o que, em nossas expectativas, não foi atendido. Não há frustração sem expectativa prévia.
Quando podemos nos deixar tomar pelas emoções desagradáveis e nos darmos o tempo necessário para o processamento, em nosso mundo interno, de tudo que nos é despertado por aquela situação, então, teremos condição de pensar sobre a experiência, tirando dela algum significado que pode vir a representar um ganho em termos de crescimento emocional.
Diante de situações de dor e frustração, podemos tentar, em primeiro lugar, sentir o que está vindo à tona. Conforme os sentimentos forem aparecendo, podemos nos questionar:
O que esses sentimentos despertados significam?;
O que eu esperava que não alcancei?;
O que essa frustração está me ensinando sobre meu mundo emocional e sobre o mundo emocional da outra pessoa com quem eu me relaciono nesse momento de dor?;
Quais são as crenças que tenho sobre mim, a vida, o prazer, o sucesso, os relacionamentos, e que essa situação só vem reafirmar?;
Há algo que eu possa fazer por mim, nesse momento, para aliviar a carga dessa frustração? (desde que não seja ter outros comportamentos que, mais tarde, trarão mais arrependimento e frustração, como no caso da pessoa que começa a comer demais para tentar não sentir e não olhar para aquela dor, ou daquela que gasta todo seu orçamento mensal e depois se arrepende ficando com várias dívidas para acertar);
O que eu fiz ou como eu contribui para que o resultado da situação fosse esse?;
O que eu posso fazer para que, de uma outra vez, o resultado seja diferente?;
O que essa situação me acrescenta em termos de conhecimento sobre a vida, sobre as pessoas, sobre os relacionamentos, de modo que eu possa me capacitar melhor para outras situações que a vida ainda me reserva?
Essas e outras questões podem nos ajudar a lidar com a sensação de frustração.
Se observarmos mais a fundo, veremos que muitas vezes deixamos de viver e esperar, desejar e sonhar na vida, com medo da frustração. Quando temos pouco ou quase nenhum contato com nosso mundo emocional nos assustamos com o que sentimos diante da frustração e temos medo de não encontrarmos sustentação e aparato internos para lidar com a situação. Sentimos que não há esperança.
Na tentativa de nos livrarmos da dor, tendemos a nos anestesiar e nos refugiar em algum espaço dentro de nós onde nos sintamos seguros. Buscando evitar sofrimento, deixamos de viver, e assim, sem perceber, seguimos como “mortos-vivos”, sem nos envolver diretamente em nada, seja um trabalho, um projeto, um relacionamento, um tratamento, etc.
O fato é que, assim, estamos evitando a própria vida, abrindo mão de vivê-la. Se algum projeto, trabalho, relacionamento ou tratamento teria alguma chance de dar certo, de trazer prazer, bem-estar e realização, nunca saberemos, porque diante do temor de não conseguir ou perder, estamos escolhendo não tentar.
A fuga das emoções e sentimentos negativos é uma escolha que nos tira do contato verdadeiro com nosso ser, nos afasta de quem somos e nos deixa cada vez mais esvaziados. No final das contas, ao contrário do que possa parecer, evitar nossas emoções negativas, nos deixa frustrados e sem sentido para a vida.
Só o contato real e verdadeiro com tudo o que há de mais vivo em nosso íntimo, sejam emoções agradáveis ou desagradáveis, sentimentos “nobres” ou “mesquinhos”, permite que nos sintamos seres inteiros e fortalecidos, fazendo dos momentos de dor e crise, oportunidades para o crescimento e transformação, no caminho de uma vida mais plena e feliz.
*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.