O valor das emoções negativas

Nós, seres humanos, somos dotados de um mundo emocional muito rico. Desde bebês, sentimos uma gama variada de emoções e sensações. O bebê chora, sorri, sente raiva, se acalma, como todos nós. A diferença é que, quando somos muito pequenos, sentimos esse turbilhão de emoções e não sabemos do que se trata. A dor no estômago, que pode representar simplesmente uma fome, parece assustadora num primeiro momento para o bebê. Ele não sabe que é fome, porque, nesse período da vida, ainda não dispõe de capacidade psíquica para representar e dar significado a essa dor. Apenas sabe que algo dói dentro da barriguinha dele. Com o tempo sente sua fome sendo saciada e percebe aquela dor como passageira.

Ao longo do processo de desenvolvimento, são os pais e os demais cuidadores que se seguem a eles, que vão nomeando e ajudando a criança a entender o que se passa em seu corpo, e isso ajuda na estruturação de um psiquismo saudável.

Todos nós sabemos que não é agradável sentir emoções negativas como a raiva, o ódio, a inveja, a ira e a tristeza. Preferimos sentir emoções que nos tragam bem-estar, como o amor, a paixão, a alegria e a admiração, por exemplo.

Isso se deve, em parte, ao fato de que é realmente difícil sentir e ter que lidar com essa qualidade de emoções. Além disso, o tipo de educação que recebemos e que, por conseguinte, tendemos a repassar aos nossos filhos, é um modelo que privilegia os sentimentos “bons” e “nobres”, em detrimento dos sentimentos negativos que são considerados inadequados.

Assim, não falamos desses sentimentos, não ensinamos às crianças que isso é normal, faz parte da vida, e muito menos as instrumentalizamos para lidar com as emoções negativas. Até, porque, em geral, estamos nós mesmos sem saber o que fazer com elas quando aparecem em nossas vidas.

Somos ensinados a reprimir nossas emoções, principalmente as negativas, embora tenhamos que considerar que ainda existam modelos educacionais que desvalorizam também as demonstrações de afeto verdadeiro ou de alegria, por exemplo, mesmo em se tratando de sentimentos positivos.

Entretanto, as emoções, sejam elas de que natureza for, são a porta de acesso ao nosso mundo interior. Elas nos ajudam a entender o que está se passando conosco. Essa repressão, sem entendimento, é perigosa, pois perder o contato com nossos sentimentos é o mesmo que perder o contato com quem somos, com a riqueza e a complexidade que existem em nosso interior.

Pensemos, por exemplo, no sentimento de raiva. Sentimos raiva de alguém ou de alguma coisa, ou mesmo podemos estar sentindo tanta raiva reprimida, que qualquer coisa nos irrita.

O que será que isso significa? Que estamos de mal com a vida? Infelizes? Sim, é bem possível que seja tudo isso junto. Pode ser que as coisas que nos irritem sejam mínimas diante do sentimento que temos. Mas o fato é que o sentimento está lá, e ele tem alguma razão de ser, está dizendo algo de nós para nós mesmos.

Se aceitarmos o sentimento, e tentarmos entender o que está se passando, qual a razão de estarmos sentindo aquela raiva, temos a chance de fazer algo de concreto para que a emoção seja liberada. Se descobrirmos, por exemplo, que estamos com raiva porque estamos nos sentindo sobrecarregados, podemos pensar e avaliar nossas atitudes: será que estamos assumindo mais funções do que suportamos? Está faltando colocar limites em alguém? Porque estamos fazendo isso conosco? Temos medo de dizer “não” ao outro? Queremos fazer tudo para que o outro nos aceite e nos ame?

De outro lado, se reprimirmos essa emoção, porque socialmente ela não é adequada e aceitável, adaptamo-nos muito bem às regras de boas maneiras e da boa convivência com o meio, mas deixamos de nos ouvir, de entender o que está acontecendo em nosso mundo interno.

Ao contrário do que se possa pensar, essa emoção não vai embora até que tenhamos entendido seu recado. Pode ser que a raiva passe por um momento, mas assim que surgir outra oportunidade, ela tende a vir com uma força maior ainda, e assim será, até que tenhamos tempo para olhar para dentro de nós e ouvir nosso interior.

Quando essa postura de repressão é uma constante na vida da pessoa, é comum que a emoção procure outra via para se expressar. É aí que entra o papel da dor e da doença, principalmente, as chamadas doenças psicossomáticas. O adoecer é um processo que atinge o corpo depois que a alma cansou de carregar o peso sozinha, depois de tantas mensagens enviadas, sem jamais terem sido levadas em conta.

A repressão das emoções acontece porque tentamos fingir que não sentimos o que sentimos, seja na tentativa de sermos aceitos socialmente, ou de não nos sentirmos inferiorizados por termos dentro de nós sentimentos nada “nobres”. Porém, a doença vem para acabar com esse fingimento. O que a boca não expressou, por exemplo, aparece numa dor na “boca” do estômago.

Embora as doenças sejam também, comumente, encaradas como algo negativo, em verdade, elas são mais uma oportunidade que temos de olhar para dentro de nós e entender o que se passa. Assim como os sentimentos negativos, elas são manifestações do desequilíbrio inerente à vida de todos nós e deles não há como escapar. Faz parte da vida essa movimentação equilíbrio-desequilíbrio-retomada do equilíbrio. Só não passa por esse processo quem está morto.

Enquanto estamos vivos, temos a chance de retomar o contato com nosso mundo emocional, de sermos honestos conosco e de reequilibrarmos nossas vidas. Aceitar e entender nossas dores e sentimentos é aceitar nossa verdade interior, o único caminho que nos permite amadurecer emocionalmente e viver melhor.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.