Sexualidade feminina

Outro dia desses, recebi no meu e-mail uma solicitação de uma revista feminina de grande circulação nacional e internacional, para responder a uma pesquisa sobre sexualidade feminina. Curiosa, comecei a responder às perguntas.
Não era preciso passar das primeiras linhas para perceber que o nível das pesquisas publicadas nessas revistas sobre sexualidade ainda fica muito longe da compreensão do que se passa na alma e no corpo da mulher.

Alma e corpo sim, porque a mulher que faz sexo, o faz com corpo e alma. E isso não diz respeito apenas a estar apaixonada pelo outro, o que pode acontecer, e é muito bom quando acontece. Mas, antes, refere-se à mulher que pode estar apaixonada por si mesma, e assim, estar de corpo e alma, por inteiro, vivendo aquela experiência.

O fato é que existem ainda muitos mitos e confusões sobre a sexualidade da mulher (o que não deixa de ser verdade também em relação ao homem, embora aqui abordemos mais diretamente a sexualidade feminina).

Muitas mulheres parecem ainda não saber muito sobre si mesmas, sobre seus corpos, seus desejos e suas fantasias. São mulheres marcadas, em geral, por uma educação extremamente repressora. Tendem a comportar-se como se os desejos e fantasias fossem questões pertencentes unicamente ao mundo masculino e proibidas para elas.

Assim, normalmente não expressam seus desejos e nem saem em busca de realizá-los. Se elas transam, é porque o namorado ou marido quer. Ou seja, como não conseguem sentir e validar seus desejos, apenas se restringem a satisfazer os desejos e fantasias do parceiro.

Algumas, quando muito, conseguem através dessa atuação, se aproximar um pouco mais do que se passa em seu interior, ainda que sem assumir-se integralmente.
No entanto, é muito mais comum que elas sequer se deem conta do que acontece com seu corpo e apenas respondam mecanicamente às solicitações do parceiro, temendo serem tachadas de frígidas, frias, desinteressadas, e ainda, correrem o risco de serem trocadas por qualquer outra mais fogosa.

De outro lado, há um outro grupo de mulheres que apresentam um discurso pra lá de moderno e avançado, onde tentam, e nem sempre convencem, passar a ideia de que são sexualmente liberadas, independentes e resolvidas. Alardeiam aos quatro cantos, e para quem queira ouvir, que gostam mesmo de sexo e que não aguentam ficar sem transar por não sei quanto tempo. Contam das várias acrobacias sexuais que costumam praticar, parecendo sempre querer contar vantagem em relação às outras mulheres. Ao ouvi-las vamos tendo a sensação de que existe mais vazio em suas vidas do que elas podem se permitir enxergar. As mulheres desse grupo, a quem podemos chamar de “pseudo-ninfomaníacas”, parecem mesmo precisar realizar muitas “acrobacias” sexuais como uma forma de esconder de si mesmas e do mundo a enorme aridez de seu mundo interior. Afora, os casos de compulsão sexual, se observarmos mais atentamente, veremos que esse discurso normalmente soa falso e desarticulado do que a mulher nos transmite por outras vias de sua expressão pessoal.

Em meio a esses dois grupos, existe uma série de mulheres que se importam verdadeiramente com o que acontece em sua vida de um modo geral, e levam a sério sua sexualidade e seu prazer, não como algo à parte de suas vidas, mas como algo que é inerente a elas e que, como tal, não deve ser desconsiderado.

Esse grupo de mulheres vêm crescendo em número a cada dia, mas parece que a maioria das revistas femininas ainda está muito longe de alcançá-las e compreendê-las.

O fato é que sexualidade não é e nunca foi uma questão simples para todos nós.

Envolve uma tal complexidade que exige extremo cuidado para se tratar do tema.

Assim como nós, há muitos anos, nos apaixonamos, amamos, nos relacionamos e casamos, e até hoje estamos aprendendo sobre tudo isso, podemos pensar que estamos engatinhando no que diz respeito à sexualidade.

São tantas as tentativas de regramento, e de outro lado, a busca por sair da repressão, que andamos de lado para outro, perdidos, buscando encontrar a nós mesmos no meio disso tudo.

Nessa altura não sabemos mais o que é desejo, o que é fantasia, o que é real e o que é imaginário.

Sabemos quais os conceitos e comportamentos proibidos ou reprimidos por alguns setores da sociedade ou pela moral cristã, e sabemos o que é considerado como politicamente correto, liberado, resolvido e caracterizado como comportamento pós-moderno por outras esferas da sociedade.

A todo tempo, pululam pesquisas e trabalhos sobre sexualidade, sobre comportamento sexual, “disfunções sexuais”, sobre ejaculação precoce, frigidez, ausência de desejo, “desvios” do desejo, todos na tentativa desesperada de normatizar e “medicalizar” a sexualidade de cada um, quando não parece ser possível fazê-lo, já que somos seres únicos.

Em geral, quando não sabemos o que fazer com algo ou como lidar com determinadas questões, sentimos angústia e tendemos a buscar guarida em normas e regras que, no máximo, nos trarão uma segurança relativa e muito frágil.

Com a sexualidade, devido ao alto grau de angústias, dúvidas e questionamentos despertados, tendemos a fazer isso mais recorrentemente ainda. E os meios de comunicação, a igreja, os canais influentes da sociedade, estão à nossa disposição, cheios de fórmulas e regramentos que parecem simples e prometem nos livrar das angústias, dúvidas, e quando não, do pecado.

É preciso lembrar que a sexualidade é mais um aspecto fundamental da nossa intrincada e rica natureza humana, e como tal, precisa ser respeitada em toda a extensão de sua complexidade, com todas as implicações que traz para a vivência particular de cada um de nós.

A sexualidade está para além da prática do sexo. Ela diz respeito à expressão natural de cada ser, envolvendo toda uma postura de vida, um entendimento de si mesmo como homem e mulher, seres autônomos, desejantes e pensantes.

O modo como lidamos com nossa sexualidade está diretamente ligado ao modo como nos posicionamos no mundo, e vice-versa.

Assim, se estamos satisfeitos com o desenrolar de nossa vida sexual, isso aparece em outras esferas da nossa vida. De outro lado, se estamos passando por dificuldades em algumas áreas de nossa vida, essas dificuldades vão, inevitavelmente, se revelar, e maior ou menor grau, em nossa vida sexual.

Somos seres em constante processo de desenvolvimento, amadurecimento e mudança. Já não somos a mesma pessoa que éramos ontem, e amanhã, não seremos mais quem somos hoje. Somos influenciados pelo mundo e o mundo nos influencia. Mas dizer o que é certo ou errado em termos de nossa sexualidade não compete ao mundo.

Precisamos conhecer melhor nosso corpo e nossa alma e nos perguntar o que queremos da vida, inclusive de nossa vida sexual.

O que nos agrada, e o que não nos agrada? Estamos respeitando o que sentimos ou já não sabemos mais o que sentimos? Sabemos o que desejamos de verdade? Validamos esse desejo ou só nos permitimos desejar dentro do modelo estipulado e vendido pela mídia ou pela sociedade? Podemos expressar em nossa intimidade nossa singularidade, ou deixamos que o mundo com suas regras e normatizações invada nossas camas e nossos sonhos?

São questões a se pensar. Mas, mais do que se pensar, são questões para começar a sentir.

Só para terminar, voltando a tal pesquisa sobre sexualidade da revista, me senti vingada ao responder uma das perguntas que questionava algo como: “Se você pudesse escolher entre transar tantas vezes (não me lembro o número de vezes) por semana ou mês, ou ter R$2.000,00 por mês, para gastar em roupas e sapatos, o que você preferiria?”

Juro que fiquei decepcionada! Honestamente? Diria a eles que R$2.000,00 é realmente muito pouco por mês para saciar os desejos de qualquer mulher! Eu esperava mais dessa ‘conceituada’ revista feminina!

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.