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Casamento e Crise

Costumo dizer aos casais que atendo em terapia, que as crises estão para um casamento na mesma medida em que a depressão está para quem é vivo. Ou seja, se estamos vivos, ou já passamos por momentos de depressão ou ainda vamos passar.

Sempre que sofremos algum golpe da vida, alguma transformação importante, ou estamos em via de passar por isso, precisamos de tempo para elaborar e assimilar as mudanças, para só depois continuarmos nossa jornada. É nesses momentos que a depressão tende a aparecer, até mesmo como uma possibilidade de nos recolhermos em nosso mundo interior, entendermos o que está se passando e daí, então, ganharmos energia renovada para seguir em frente.

Assim também acontece no casamento. Não há casamento que exista sem passar por crises.

As crises no casamento acontecem porque o par que se casa passa por transformações. Algumas maiores, outras menores, mas sempre há mudanças acontecendo. Às vezes um amadurece mais que o outro em tempos diferentes, ou um se desenvolve profissionalmente mais rápido que o outro. Mudam os tempos, mudam os interesses, as pessoas se renovam, e é preciso que o vínculo também passe por essa renovação.

Os contratos de casamento precisam ser atualizados como todos os outros tipos de contrato existentes. Achamos natural rever contratos de aluguel de um imóvel, por exemplo, porque sabemos que o mercado altera valores de tempos em tempos, e essa alteração precisa ser incorporada ao contrato, seja para aumentar ou diminuir o valor ou o tempo de revisão do contrato.

Mas nem de longe agimos com a mesma naturalidade, quando o assunto é o casamento. Seja pela formação religiosa e pela educação muito rígida que recebemos, ou pelo medo de enfrentar uma situação de mudança, a verdade é que é sempre muito difícil falar abertamente sobre o que fazer, quando um casamento não caminha como imaginamos.

Os contos de fada e as novelas, assim como os romances encontrados nos livros, relatam histórias de busca por um amor, de enfrentamento de obstáculos para que o casal se encontre, e termina sempre quando há esse encontro com o famoso “felizes para sempre”. Final de novela tem sempre muito casamento e muita gravidez, já repararam? E tudo parece que será maravilhoso a partir daí. Quando, na verdade, a história real está apenas começando.

É no dia-a-dia de uma vida em comum que as relações são testadas, que o amor é posto à prova. Mas não há mesmo amor nesse mundo, que resista sem que haja muita lealdade, respeito, maturidade e honestidade da parte das duas pessoas, para enfrentarem, juntas, as dificuldades que vão aparecendo.

Quando temos um sintoma físico, em geral, vamos ao médico o mais rápido possível, para saber do que se trata e para que um mero sintoma agudo não se transforme em algo mais crônico que pode ser de muito mais difícil tratamento.
Mas, em se tratando de relações e casamento, não temos a tendência a ter esse comportamento. Quando vemos uma crise chegar, preferimos pensar que ela é apenas uma crise e que passará. Aliás, esse comportamento é muito mais típico dos homens do que das mulheres que, em geral, percebem mais o que acontece na relação a dois, mesmo que ainda tenham dificuldade em comunicar isso ao parceiro.

Toda crise é realmente uma crise passageira, desde que a tratemos como crise. Se ignorarmos seus sinais e seus sintomas, deixamos que ela se alastre e tome proporções muito maiores. Sem nos darmos conta, vamos criando um fosso profundo entre o casal, e quando menos percebemos, já não formamos mais um verdadeiro par.

Há muitos casais, nessas situações, que permanecem aparentemente como um casal, dividem suas contas, os filhos, o mesmo teto, mas não o mesmo “lar”. Na maioria das vezes, não há mais o encontro de almas e a divisão dos mesmos ideais, há muito tempo. Ele toca sua vida e ela também, cada um a seu modo, sem considerar que o outro, um dia, já fez parte de sua vida e de seu sonho de amor e de felicidade.
Aliás, sonho de amor e de felicidade são coisas que já ficaram muito distantes para essas pessoas, massacradas que foram sendo ao longo do tempo pela rotina estressante, pela falta de carinho consigo mesmo e com o outro, pela falta de cuidado com a relação a dois.

É verdade que não existe relação perfeita. Porém, não existe sonho de amor que sobreviva à realidade da vida diária, se não houver um cuidado constante por parte do casal. É preciso respeito, união, vontade de realizar e de responsabilizar-se pela manutenção do par, abrindo espaço para perceber, incorporar e assimilar as modificações inerentes à passagem do tempo, sejam elas físicas ou psíquicas, materiais ou imateriais.

Quando há espaço entre os parceiros para que a crise aconteça e para que dela advenha a transformação necessária, o casamento se renova e a relação se solidifica ao longo do tempo, fortalecendo emocionalmente o casal. O par que se casou lá atrás, já não é mais o mesmo, e em meio às diferenças e novidades, que os dois trazem para a relação é que eles alcançam a possibilidade de se reencontrar amorosamente.

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

O valor das emoções negativas

Nós, seres humanos, somos dotados de um mundo emocional muito rico. Desde bebês, sentimos uma gama variada de emoções e sensações. O bebê chora, sorri, sente raiva, se acalma, como todos nós. A diferença é que, quando somos muito pequenos, sentimos esse turbilhão de emoções e não sabemos do que se trata. A dor no estômago, que pode representar simplesmente uma fome, parece assustadora num primeiro momento para o bebê. Ele não sabe que é fome, porque, nesse período da vida, ainda não dispõe de capacidade psíquica para representar e dar significado a essa dor. Apenas sabe que algo dói dentro da barriguinha dele. Com o tempo sente sua fome sendo saciada e percebe aquela dor como passageira.

Ao longo do processo de desenvolvimento, são os pais e os demais cuidadores que se seguem a eles, que vão nomeando e ajudando a criança a entender o que se passa em seu corpo, e isso ajuda na estruturação de um psiquismo saudável.

Todos nós sabemos que não é agradável sentir emoções negativas como a raiva, o ódio, a inveja, a ira e a tristeza. Preferimos sentir emoções que nos tragam bem-estar, como o amor, a paixão, a alegria e a admiração, por exemplo.

Isso se deve, em parte, ao fato de que é realmente difícil sentir e ter que lidar com essa qualidade de emoções. Além disso, o tipo de educação que recebemos e que, por conseguinte, tendemos a repassar aos nossos filhos, é um modelo que privilegia os sentimentos “bons” e “nobres”, em detrimento dos sentimentos negativos que são considerados inadequados.

Assim, não falamos desses sentimentos, não ensinamos às crianças que isso é normal, faz parte da vida, e muito menos as instrumentalizamos para lidar com as emoções negativas. Até, porque, em geral, estamos nós mesmos sem saber o que fazer com elas quando aparecem em nossas vidas.

Somos ensinados a reprimir nossas emoções, principalmente as negativas, embora tenhamos que considerar que ainda existam modelos educacionais que desvalorizam também as demonstrações de afeto verdadeiro ou de alegria, por exemplo, mesmo em se tratando de sentimentos positivos.

Entretanto, as emoções, sejam elas de que natureza for, são a porta de acesso ao nosso mundo interior. Elas nos ajudam a entender o que está se passando conosco. Essa repressão, sem entendimento, é perigosa, pois perder o contato com nossos sentimentos é o mesmo que perder o contato com quem somos, com a riqueza e a complexidade que existem em nosso interior.

Pensemos, por exemplo, no sentimento de raiva. Sentimos raiva de alguém ou de alguma coisa, ou mesmo podemos estar sentindo tanta raiva reprimida, que qualquer coisa nos irrita.

O que será que isso significa? Que estamos de mal com a vida? Infelizes? Sim, é bem possível que seja tudo isso junto. Pode ser que as coisas que nos irritem sejam mínimas diante do sentimento que temos. Mas o fato é que o sentimento está lá, e ele tem alguma razão de ser, está dizendo algo de nós para nós mesmos.

Se aceitarmos o sentimento, e tentarmos entender o que está se passando, qual a razão de estarmos sentindo aquela raiva, temos a chance de fazer algo de concreto para que a emoção seja liberada. Se descobrirmos, por exemplo, que estamos com raiva porque estamos nos sentindo sobrecarregados, podemos pensar e avaliar nossas atitudes: será que estamos assumindo mais funções do que suportamos? Está faltando colocar limites em alguém? Porque estamos fazendo isso conosco? Temos medo de dizer “não” ao outro? Queremos fazer tudo para que o outro nos aceite e nos ame?

De outro lado, se reprimirmos essa emoção, porque socialmente ela não é adequada e aceitável, adaptamo-nos muito bem às regras de boas maneiras e da boa convivência com o meio, mas deixamos de nos ouvir, de entender o que está acontecendo em nosso mundo interno.

Ao contrário do que se possa pensar, essa emoção não vai embora até que tenhamos entendido seu recado. Pode ser que a raiva passe por um momento, mas assim que surgir outra oportunidade, ela tende a vir com uma força maior ainda, e assim será, até que tenhamos tempo para olhar para dentro de nós e ouvir nosso interior.

Quando essa postura de repressão é uma constante na vida da pessoa, é comum que a emoção procure outra via para se expressar. É aí que entra o papel da dor e da doença, principalmente, as chamadas doenças psicossomáticas. O adoecer é um processo que atinge o corpo depois que a alma cansou de carregar o peso sozinha, depois de tantas mensagens enviadas, sem jamais terem sido levadas em conta.

A repressão das emoções acontece porque tentamos fingir que não sentimos o que sentimos, seja na tentativa de sermos aceitos socialmente, ou de não nos sentirmos inferiorizados por termos dentro de nós sentimentos nada “nobres”. Porém, a doença vem para acabar com esse fingimento. O que a boca não expressou, por exemplo, aparece numa dor na “boca” do estômago.

Embora as doenças sejam também, comumente, encaradas como algo negativo, em verdade, elas são mais uma oportunidade que temos de olhar para dentro de nós e entender o que se passa. Assim como os sentimentos negativos, elas são manifestações do desequilíbrio inerente à vida de todos nós e deles não há como escapar. Faz parte da vida essa movimentação equilíbrio-desequilíbrio-retomada do equilíbrio. Só não passa por esse processo quem está morto.

Enquanto estamos vivos, temos a chance de retomar o contato com nosso mundo emocional, de sermos honestos conosco e de reequilibrarmos nossas vidas. Aceitar e entender nossas dores e sentimentos é aceitar nossa verdade interior, o único caminho que nos permite amadurecer emocionalmente e viver melhor.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

Responsabilidade Pessoal e Felicidade

Nos últimos anos temos visto crescer a ideia da responsabilidade social. Com a globalização, a degradação do meio ambiente, os altos níveis de pobreza e analfabetismo, que atingem a maior parte da população mundial, cresce a preocupação com a qualidade de vida das pessoas. Muitas empresas e a sociedade civil organizada estão empenhadas em contribuir com essa questão, desenvolvendo projetos sociais e ambientais, sempre no sentido de se posicionarem frente ao mundo de modo mais participativo e responsável.

O fato é que essa mudança de comportamento trouxe resultados satisfatórios já num curto espaço de tempo. As pessoas têm tido oportunidade de tomar consciência de sua responsabilidade pela criação de um mundo melhor, e com isso, têm podido usufruir de melhor qualidade de vida. A longo prazo, ainda, essa nova postura trará muito mais benefícios às gerações futuras.

Essa tomada de consciência, para com as questões mundiais, pode ser estendida, também, para o nível particular da vida das pessoas. Estaremos falando, então, da responsabilidade pessoal. Nesse âmbito privado, assim como no caso da responsabilidade social, é somente quando tomamos consciência de que nós somos os responsáveis pela qualidade de nossas vidas e por nossa felicidade, que as coisas podem começar a melhorar.

Uma pessoa, por exemplo, só pode ter uma vida saudável, se decide se responsabilizar por sua alimentação, pelas horas de sono, pela prática de exercícios, pela busca por prazer no seu trabalho, pela busca de lazer e melhores relacionamentos conjugais, familiares, de amizade e sociais.

O que percebemos é que há uma tendência muito forte de as pessoas procurarem não se responsabilizar pelas próprias vidas e pelo que a elas acontece.
As pessoas querem ser felizes, mas não querem se responsabilizar por isso. Então, culpam o destino, o outro, a educação, os pais, a escola, o governo, ou quem quer que sirva para se encaixar nesse papel. O velho e bom papel de vítima cai muito bem para a maioria.

O que as pessoas muitas vezes não sabem, é que esse papel de vítima, na mesma medida em que parece livrá-las da responsabilidade pelos acontecimentos bons ou ruins de suas vidas, em verdade, as aprisiona. No momento em que uma pessoa responsabiliza alguém ou alguma coisa pelo que acontece a si mesma, ela está entregando, nas mãos dessa pessoa ou dessa coisa, a solução para seus problemas e, consequentemente, a sua felicidade.

Pensemos, por exemplo, no caso de alguém que acredite que somente será feliz quando conseguir namorar ou se casar com determinada pessoa. Nesse momento, ela entregou a sua própria felicidade ao controle de alguém que está fora dela, que não é ela. Se essa outra tiver o mesmo desejo que a primeira, teremos um problema a menos aí. Mas se essa outra pessoa, nem de longe, tiver o desejo de namorá-la, a situação poderá ser muito mais delicada.

Diante desses fatos, à primeira caberá duas opções: ou ela desiste desse desejo e parte para outra; ou ela não abre mão dessa escolha e então, poderá passar o resto de sua vida sentindo-se amargurada e culpando o destino ou essa outra pessoa por sua infelicidade. Mas quem decidiu investir eternamente em uma possibilidade de um relacionamento que de cara mostrou-se fracassado, foi ela.

O que provavelmente faltou, para essa pessoa em questão, foi usar de reflexão e conscientização da escolha que estava fazendo, e entender que ela é responsável por sua felicidade e, como tal, deve tomar para si as decisões sobre os rumos de sua vida.

Todos nós somos dotados de livre-arbítrio. Temos poder de decidir, pelo menos em alguns níveis, sobre o que queremos fazer ou não de nossas vidas. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e opções, e temos sempre de arcar com as consequências, boas ou ruins, que advêm destas.

Manter uma postura essencialmente responsável, com melhores escolhas nos dá maior poder e autonomia para gerir nossas vidas. E as melhores escolhas serão sempre aquelas, que, antes de qualquer outra coisa, estão em consonância com nosso interior.

A coerência com nosso interior é respeitada quando buscamos realizar aquilo que sentimos ser verdadeiramente importante para nós. Mas, não é só isso que torna uma escolha acertada. Além de respeitar nossos sentimentos, precisamos lembrar de examinar a realidade, para ver se nosso desejo nela se encaixa. Quando essas condições, interna e externa, são respeitadas, pode-se alcançar um estado de harmonia interior, que nos permite sentir prazer e bem-estar nas pequenas conquistas do dia-a-dia.

E não há outro modo de se chegar a isso a não ser pela reflexão que leva à tomada de consciência. Daí ser tão importante refletir sobre quem somos, o que queremos, no que efetivamente acreditamos, quais as escolhas que estamos fazendo. E, mais, nos permitir decidir de modo diferente e mudar a direção da história no caso de termos nos equivocado.

Aquela que age sempre como vítima das circunstâncias de vida ou das outras pessoas, passa a vida amargurada e presa aos acontecimentos ruins. Como a personagem Bela Adormecida, permanece de olhos fechados, alheia à realidade em volta, e esperando alguém que a livre daquele peso que ela mesmo escolheu carregar. Neste caso, ela escolheu abrir mão de seu poder de escolha.

De outro lado, quem se entende, pelo menos em parte, responsável por aquilo que acontece em sua vida, traz o poder de mudança e de decisão para si. E é esse poder de decidir sobre o próprio destino que faz a diferença entre ser feliz ou infeliz.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

Adolescência e consumo

A questão do consumismo desenfreado entre os jovens tem causado preocupação nos últimos tempos. É verdade que não são somente os mais jovens que apresentam esse tipo de comportamento. Mas, aqui minha atenção volta-se para eles uma vez que considero a adolescência um momento muito especial da vida de qualquer pessoa.

É, na adolescência, que aquele que já não é mais uma criança, vive uma crise de identidade pessoal, algumas vezes mais e outras menos intensa, na busca pela inserção no mundo social adulto e no mercado de trabalho. O jovem sofre porque o mundo infantil não lhe serve mais, e tudo o que ele quer é não ser visto mais como uma “criança”. No entanto, o mundo adulto também ainda não lhe é adequado, pois ele está em processo de formação e carece de um amadurecimento que só o tempo e a vivência das questões e crises da adolescência lhe trarão.

Nesse sentido, a adolescência é um momento da vida onde a pessoa encontra-se de certa forma fragilizada. Ela começa a entrar em contato com o mundo adulto que, se de um lado é rico, interessante e cheio de novidades e liberdades que não se têm na infância, por outro lado é também cheio de perigos e de responsabilidades que muitas vezes a pessoa não está totalmente preparada para enfrentar sozinha. O jovem vive intensamente essa fase, lutando por encontrar uma identidade pessoal que o defina e o diferencie dos pais, marcando sua independência destes.

É especialmente nesse momento que os grupos ganham muita força entre os adolescentes. Pela própria necessidade de ser compreendido, aceito e de se sentir identificado com a vida, os adolescentes se reúnem em grupos ou gangs. É aí que o jovem busca e encontra o apoio de seus pares e uma identidade que ele, como indivíduo, ainda não tem. Ao encontrar seus semelhantes, o jovem lida melhor com as angústias típicas dessa fase de transição. Cada um desses grupos tem uma identidade própria, como por exemplo, os grupos dos mauricinhos, das patricinhas, dos rappers, dos skatistas, dos surfistas, dos esportistas, etc., todos formados em função da identificação de gostos e opiniões pessoais dos jovens que os compõem.

É nesse momento que a mídia pode exercer muita força entre os jovens, e se aproveita disso para vender ideias e produtos que nem sempre fazem tão bem à saúde física, psíquica e financeira do jovem e de sua família. É passada a ideia de que se você usar a roupa da marca “X” você é uma pessoa legal, transada, atual, mesmo que a roupa da marca seja extremamente cara e que a maioria da população brasileira não possa comprar sem que se endivide ou abra mão de outras coisas que podem ser muito mais importantes e às vezes necessárias.

O avanço na tecnologia também interfere nesse processo. Cada mês que passa temos uma série de celulares novos sendo lançados, modelos de tênis diferenciados. E a mídia, aliada à rapidez com que se produzem novos e mais modernos produtos, passa sempre a mensagem de que aquele produto que você comprou no mês passado e que lhe custou os “olhos da cara” já é considerado ultrapassado e não é mais o “melhor” e o “mais moderno”. E para que você não se sinta rejeitado ou excluído socialmente, é preciso que você tenha o “melhor” e o “mais moderno”.

O jovem é presa fácil dessa ideia, uma vez que está em formação e quer ser aceito no meio em que vive. Em nossa sociedade capitalista é preciso que você tenha o melhor, pois aqui você é aquilo que você tem, e não aquilo que você sente, pensa, cria ou faz. Então, vemos pais e mães se esgotando de tanto trabalhar para alcançar um poder aquisitivo que lhes permita comprar o tênis e o celular mais moderno que os filhos insistentemente lhes pedem. Muito pouco tempo sobra para se relacionarem de verdade com os filhos, discutirem ideias, conhecer sobre o que estão pensando, ou seja, conhecerem quem é esse jovem que ali debaixo do mesmo teto se transforma em adulto. E o mais irônico e terrível é que tudo pode se acabar na próxima esquina se esse jovem levar tiros de um “bandido”, que pode ser só outro jovem que também está tentando, ao seu modo e de acordo com sua possibilidade, conseguir para si o mesmo produto que a sociedade lhe diz que é imprescindível ter.

Sabemos que os meios de comunicação social não se mostram preocupados em formar cidadãos, mas sim consumidores para o mercado. Vivemos em um País onde já pagamos muito caro para ter condições mínimas de sobrevivência. Não temos saneamento básico em uma série de regiões. Não temos educação de base para a grande maioria da população e tampouco atendimento de saúde decente. Mesmo assim, vemos pessoas sem o mínimo de educação e cultura, deixando de adquirir um seguro saúde, cursar uma faculdade, ou mesmo comprar a casa própria, para se endividar na compra de bens de consumo supérfluos, muitas vezes levados pela ideia de que serão esses produtos que os tornarão pessoas de “valor”.

A chamada “cultura do Shopping Center”, que faz um jovem sentir-se importante quando se veste com marcas famosas de tênis e de roupa, torna a vida fútil e esvazia a mente. Como diz a escritora Lya Luft, a futilidade é “a alma com osteoporose” (Perdas & Ganhos, Editora Record). Quem compra a cultura do ter é só mais um dentro do espírito de rebanho do consumo. É mais uma peça da máquina deste tipo de mercado que tanto nos desumaniza e aprisiona.

Vejo que um dos desafios atuais mais profundos para os pais e educadores é ajudar os jovens a se libertarem do consumismo desenfreado que aliena e enfraquece a estrutura de nossas famílias. Para tanto é preciso priorizar a questão da autoestima na formação do indivíduo. E isso se faz por meio da valorização da educação em todos os níveis, do resgate da importância das relações familiares e da cultura popular.

É fundamental que se ofereça uma estrutura aos jovens para que possam se descobrir importantes pelo que são, pela postura ética que apresentam, pelo modo como pensam, como agem e como se responsabilizam por si e pelos outros com quem convivem. É preciso mostrar a eles, desde pequenos, que não se torna um ser humano melhor pelas coisas que se pode comprar, mas que a importância pessoal de cada um é construída por meio da consciência que se tem de quem se é, da sabedoria interior que existe em cada um de nós, e do amor que se pode ter pela vida, por si mesmo e pelos outros.

O Brasil do futuro é o país formado por esses jovens que serão adultos daqui a pouco. E uma nação só é forte se seu povo possui autoestima, educação, raiz, cultura, valor próprio, e principalmente liberdade de pensamento e de escolha. Precisamos começar a repensar essas questões junto aos jovens e crianças para que possamos construir um País melhor, especialmente mais rico em humanidade.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

A delicada relação entre pais e filhos

Como se não bastasse a onda de violência e criminalidade que atinge o país todo e o mundo, temos ouvido nos últimos tempos, muitas notícias de filhos que matam seus próprios pais em situações de extrema crueldade. Problemas e dificuldades familiares são expostos nas páginas criminais dos principais jornais.

Pais e mães com filhos adolescentes ou pré-adolescentes têm recorrido a profissionais como psicólogos, psiquiatras e educadores, na procura de respostas e conselhos sobre o que fazer com seus filhos quando esses costumam apresentar problemas como: comportamentos socialmente inadequados, dificuldades de relacionamento interpessoal, bem como problemas de adaptação escolar e aprendizagem. As maiores queixas ficam entre os comportamentos sociais inadequados e dificuldades de convivência familiar. A situação anda tomando uma tal proporção, que alguns pais começam a trancar a porta de seus quartos, na hora de dormir, e enquanto outros vão mais longe ainda, blindando as paredes e portas de seus quartos.

Horrorizados, muitos se perguntam “o que estará acontecendo com nossos jovens?” E, penso eu, que a questão poderia ser pensada de outra forma: “O que estará acontecendo com nossos pais e mães que parecem estar esquecidos de sua função de educadores desses jovens?”

Olhando um pouco para trás, percebemos que a partir da década de 60 e da revolução sexual, tivemos o início de uma transformação nos costumes e valores válidos em nossa sociedade. Entre tantos outros conceitos questionados, os modos de educação mais repressores foram postos em xeque, e começou a se erguer a bandeira da educação mais liberada para prevenir os “traumas” que uma educação muito repressora poderia causar na vida emocional dos filhos.

Ainda, com o desenvolvimento das pesquisas na área da psicologia e psicanálise, enfatizando a importância da influência do ambiente na formação de um indivíduo, a questão da educação dos filhos tem merecido um maior cuidado por parte de educadores, psicólogos e estudiosos de várias áreas. Muitas são as teorias novas que surgem sobre o que fazer, como proceder, tudo na tentativa de orientar os pais nessa difícil tarefa.

Com isso, tivemos uma mudança de panorama.

Se pelas gerações antigas a criança era tratada como um “mini adulto”, sem direito a desejos e vontades, sem direito a quaisquer cuidados especiais em respeito à sua condição de criança, parece-me que as gerações mais jovens, talvez tenham pecado pelo excesso, no sentido inverso, passando a tratar a criança como um “rei no trono”.

Tudo passaria a ser motivo de trauma para a criança e para o adolescente. Se uma criança apanhava, era castigada, ou apenas repreendida, já se poderia considerar isso como motivo de trauma.

É claro que não estou falando aqui a favor de prática de maus-tratos contra a criança ou o jovem, e isso é uma questão seriíssima que vem sendo tratada com muito mais respeito, nos últimos tempos, graças também a essa transformação social que se operou, e que mereceria outro momento de discussão. Mas, nem de longe, podemos pensar que pais e mães não possam repreender seus filhos. Essa é uma função muito importante no processo de educação. A educação é feita com base no afeto que se transmite ao filho, e com base no limite que se pode dar a ele também. A criança precisa conhecer o amor, a amizade, o respeito e a consideração, mas também, quais são os limites que ela tem de respeitar, entre a vida dela e a do outro, para que ela possa tornar-se um ser humano apto para a vida em comunidade.

A atenção e o respeito que devem ser dados à criança não podem provocar uma inversão na ordem das gerações entre pais e filhos. Esse é o pior desserviço que um pai pode prestar a um filho.

Os pais precisam colocar limites para seus filhos crescerem. A criança é um ser com uma quantidade enorme de energia, que precisa, desde cedo, ser bem canalizada. Ela precisa aprender a gerenciar essa energia adequadamente e, para tanto, precisa de um enquadramento e um direcionamento que, principalmente, aos pais cabe dar.

Hoje em dia, também é muito comum ouvirmos que pais e mães precisam ser amigos de seus filhos. Aqui, igualmente, é preciso ter cuidado com a inversão de ordem.
É muito importante que pais e mães possam ser amigos de seus filhos, mas, antes de qualquer outra coisa, por amor a seus filhos, os pais têm o dever de educá-los, de colocar limites, estabelecer proibições. O que se espera de pais amigos de seus filhos, inclusive o que os próprios filhos precisam são de pais e mães mais próximos, mais disponíveis, abertos a escutá-los, a discutir e orientá-los naquilo que eles lhes solicitarem, ou naquilo que os pais entenderem necessário fazê-lo. Mas, precisam igualmente de pais que saibam dizer não, estabelecer o que é certo e o que é errado, e quais os limites que precisam ser seriamente respeitados.

Se os pais se comportam somente como amigos de seus filhos, podemos nos perguntar “quem estará fazendo o papel dos pais em seu lugar?” E esse é um grande perigo, pois a criança e o jovem precisam de orientação adequada e segura, além de alguém que apenas os ouça e os aconselhe como um amigo faria. Precisam, sim, de alguém que funcione como um porto seguro para onde recorrer, quando surgem os problemas e não sabem o que fazer, mas precisam que esse porto seguro seja suficientemente firme e forte para orientá-los quando não sabem como proceder, para repreendê-los quando estiverem errados e para ensiná-los a respeitar a si mesmos, e aos outros, preparando-os para a vida em comunidade.

Quando se inverte o sentido dessa relação, com os filhos colocados em um trono, ou tratados como um rei, e com os pais deixando de cumprir sua função de educadores, as crianças crescem sem orientação, sem limites, sentindo-se sozinhas e desconectadas de sua própria família, sem uma verdadeira identificação com esses pais, pois lhes faltam um modelo forte, seguro e afetivo, que elas possam admirar, seguir, amar e respeitar.

Para educar um filho não há fórmula ou manual que se possa seguir, pois cada filho e cada pai e mãe são únicos em sua natureza. Todos precisam ser respeitados. Nós escolhemos com quem vamos nos casar, de quem vamos ser amigos, mas não escolhemos nossos filhos e nossos pais. Apenas temos que conviver com eles, e essa convivência nem sempre é fácil. Porém, uma coisa é certa, e precisa ser lembrada: Educar é também frustrar; é dizer não e contrariar a vontade do filho, quando necessário. Não há como escapar disso, sob pena de o próprio filho sofrer as consequências em sua saúde física e mental. Não há como ser bom pai ou boa mãe só esperando serem amados por seus filhos. É preciso, muitas vezes, suportar a frustração de ser odiado por seu filho num dado momento, para o próprio bem dele no futuro, ainda que isso, na maioria das vezes, custe muito caro aos corações dos pais e mães.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

A importância do papel da mulher na sociedade

Ao longo da História, durante séculos, vimos o papel da mulher ficar marcado e restrito essencialmente às funções de mãe, esposa e dona de casa. Ao homem estava destinado o exercício de uma profissão, de um trabalho remunerado fora do núcleo familiar. O poder de decisão era exclusividade masculina. Com a Revolução Industrial, no século XIX, muitas mulheres passaram a exercer atividade fora de casa, embora recebendo valores inferiores à remuneração auferida pelos homens.

Com as atuais mudanças na legislação dos diversos países, pode-se pensar que não exista mais qualquer diferença entre homens e mulheres. Entretanto, isso fica reduzido ao âmbito da previsão legal, uma vez que a prática demonstra que há ainda muitos preconceitos em relação ao papel da mulher na sociedade.

Em função de mentalidade por demais atrasada, muitos homens se ausentaram da sua participação nas tarefas do lar, da própria educação dos filhos inclusive, que na maioria das vezes, acabava ficando a cargo da mulher. A esta mulher que desejava alçar voo para outros ares, não ficando restrita às tarefas do lar, restaria o exercício da dupla jornada de trabalho.

Muito dessa dificuldade se dá em função da discriminação que ainda há baseada na diferença entre os sexos. Não estou aqui a pregar que homens e mulheres não sejam seres diferentes. São, e essa diferença há que ser respeitada, mas sem os preconceitos que vêm desprovidos de qualquer fundamento. Não há justificativa, seja de ordem biológica ou psicológica, para que as tarefas do cuidado com o lar e a educação dos filhos, fiquem sob responsabilidade da mulher somente. Igualmente não se justifica que o trabalho doméstico seja tratado como trabalho inferior, de menor valor social, ou que a mulher tenha menos capacidade que o homem. Essas ideias são fruto de anos de domínio social essencialmente masculino e que só servem para propagar e manter a desigualdade, impedindo uma efetiva mudança de posturas e atitudes.

É verdade que nos últimos tempos, principalmente nos grandes centros urbanos, nas famílias de classe média, a situação tenha se modificado um pouco, com a figura do novo homem que assume a divisão das tarefas caseiras e da educação dos filhos com a mulher.

Mas, se no âmbito familiar começa a haver uma nova relação, mais próxima do ideal, entre homens e mulheres, na sociedade em geral, a posição da mulher continua a sofrer as consequências dos velhos preconceitos que, ainda de forma velada, limitam o pleno exercício de seus potenciais.

A quantidade de mulheres que ocupa funções de chefia e de maior poder de comando ainda é bem inferior, em relação ao número de homens nessas posições, embora já se tenham muitos estudos em desenvolvimento que atestam os excelentes resultados das empresas que têm, na linha de frente, mulheres tomando decisões. Hoje nós vemos as mulheres ocupando funções em todos os setores profissionais, no campo militar inclusive, que até bem pouco tempo, parecia limitado aos homens.

É de extrema importância que esse processo se amplie ao longo do tempo, com a mulher mais atuante e mais integrada nos diversos setores da sociedade, sem que com isso se desmereça a importância do papel do homem. Não se trata, pura e simplesmente, de a mulher passar a ocupar o lugar do homem ou este passar a exercer as funções antes restritas à mulher, mas sim de propiciar uma mudança que traga maior equilíbrio, tendo em vista a cooperação e o respeito mútuos.

O fato é que mudança social dessa importância e dessa extensão não se faz da noite para o dia, de modo repentino, sem um preparo adequado. Esse processo depende essencialmente de uma conscientização social sobre a importância de relações mais equilibradas com espaço e poder para homens e mulheres. E a conscientização precisa acontecer de dentro das famílias para fora, ou seja, deve começar desde a educação de base que se dá, em casa, aos filhos, no seio da família, até atingir os centros de ensino e formação que vão desde os níveis mais básicos até os mais especializados de educação.

E ainda quero atentar para o fato de que a mulher é a maior responsável por essa mudança. Não somente porque é ela quem vem sofrendo, há séculos, com a discriminação e o preconceito, mas porque ainda é ela a maior responsável pela formação e educação dos filhos. A mulher é quem dá à luz e, apesar das pequenas mudanças, a tarefa de educar os filhos, costumeiramente, acaba ficando muito mais a cargo dela do que do homem.

Há uma falsa idéia, herdada de nossa sociedade patriarcal, de que a mulher seja um ser frágil e indefeso, e que, por isso, precisaria de alguém que pensasse, decidisse e se responsabilizasse por ela. E apesar dos avanços que temos nos costumes, muitas mulheres se mantêm presas a esse estigma. A mulher precisa aprender que sua força é diferente da força do homem, mas é igualmente força, e que o uso dessa força e de suas potencialidades não a torna menos feminina. Penso que a mulher precisa, sim, de um trabalho de valorização pessoal, de valorização do feminino (não do feminismo), daquilo que é de sua natureza, e que passe a fazer uso de sua inteligência, intuição e sabedoria, não só a seu favor, mas em favor de toda uma sociedade que só tem a ganhar com a participação da mulher.

A discriminação e o preconceito com relação à mulher impedem o aproveitamento e o desenvolvimento integral de suas potencialidades, o que resulta em perda para toda uma sociedade, que embora muito desenvolvida do ponto de vista tecnológico, ainda engatinha em termos de desenvolvimento e compreensão emocional do próprio ser humano.

Esse trabalho de valorização pode e deve começar dentro da própria família, com a mulher e o homem responsabilizando-se pela educação das filhas e dos filhos no sentido do respeito por elas/es próprias/os, do respeito mútuo entre homens e mulheres, e da liberdade de todas/os nós.

Pensarmos apenas na maior participação do pai no cuidado dos filhos e na divisão das tarefas do lar, ou na valorização da mulher no mercado de trabalho, não atende à gravidade e ao tamanho do problema que encerra. É preciso se voltar para as bases, para a origem de tudo que está na educação, e buscar-se uma maior valorização do cuidado na educação que se dá aos filhos. O que essas crianças de hoje serão amanhã, na vida pessoal, na vida pública, profissional, social, política, moral e religiosa, depende em grande parte da forma como são educadas, dos princípios e valores que lhes são passados, não só pela educação formal, mas principalmente pela educação informal, pelo tipo de relação de convivência que se estabelece dentro do lar, entre pais e mães, e entre estes e os filhos e filhas. A educação é essencial para a realização plena da igualdade entre mulheres e homens, e para que tenhamos uma sociedade mais justa e mais humana no futuro.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.

A importância de saber fazer escolhas na vida

A vida é feita de escolhas. O tempo todo somos chamados a escolher. Desde quando acordamos e nos levantamos para um novo dia, até a hora de nos deitarmos. Sejam pequenas ou grandes, cada uma de nossas escolhas traz consequências e direciona o nosso caminho.
Algumas pessoas acham que a escolha é um ato puramente racional e passível de controle mental. Mas o fato é que escolhemos com nosso coração, sempre. Ainda que nossa escolha restrinja, seja baseada no medo ou na tentativa de evitar a dor, estamos sempre partindo de nosso mundo emocional, e nossas escolhas nos levarão de volta à ele.
Isso não significa que essa escolha não seja baseada também na razão. Ela pode e deve incluir uma dose de racionalidade. Afinal de contas, temos nossa consciência e nossa experiência para ser usada, e de preferência, a nosso favor.
E quando eu digo “a nosso favor”, não quero dizer em detrimento de ninguém, mas única e exclusivamente, que essa escolha precisa honrar e respeitar a verdade que carregamos em nossa alma. A nossa Verdade, aquela que só nós entendemos completamente, e que só a nós servirá perfeitamente. Por isso, não adianta escolher pelo outro, para o outro, ou seguindo o outro. Podemos, e muitas vezes até devemos, procurar nossos amigos sábios e bons ouvintes (e em alguns casos, a ajuda de um profissional habilitado pode ser muito importante), para nos ajudarem nesse processo e nos aconselharem. Porém, de qualquer modo, a decisão final é sempre nossa, pois as consequências seremos nós quem as viveremos.
Para fazer escolhas mais acertadas na vida é muito importante nos conhecermos profundamente, pois é esse autoconhecimento que permite nos alinharmos com quem somos e honrar a verdade, os desejos, os limites, e as necessidades de nossa alma e de nosso corpo.
Mas, se eu puder te dar um conselho, bem simples, que ilumina qualquer processo de escolha, eu te diria: escolha Amar. E por quê amar? Porque o amor é uma das emoções de vibração mais alta que existe, e quando nossa escolha é orientada pelo amor, a chance de nos arrependermos diminui consideravelmente. Amar significa ver a Luz onde só parece haver escuridão; significa ver a Paz no meio da guerra; ver a Graça no meio da desgraça; ver a Lição no meio da tragédia; a oportunidade no meio do caos; o amor escondido no medo; a confiança onde falta esperança; a oportunidade de cura no meio da doença. Amar significa optar pela resposta mais elevada e consciente a cada escolha que somos convidados a fazer em nosso dia a dia, e agradecer pela oportunidade de escolha, pois se ela nos é dada, significa que estamos vivos, e enquanto houver vida, há sempre uma chance de recomeçar, fazer diferente e contar uma nova história.
E então? Já pensou em que legado você quer deixar? Que história você quer ter para contar a seu respeito? Nunca é tarde para “re-começar”! É sempre uma questão de escolha!

Ana Claudia Ferreira de Oliveira
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista

Jogadores Patológicos

Ele entra naquele recinto escuro e logo se senta à mesa que já está composta por outros colegas. O baralho corre de mão em mão. As apostas começam singelas, mas chega num ponto em que o frenesi do desafio toma conta dos jogadores e a aposta passa a ser sinônimo de loucura. Jogos de azar são mesmo tentadores e traiçoeiros, pensou aquele homem de meia idade que havia acabado de se sentar à mesa. Enquanto pensava, ao mesmo tempo, mais uma parte de sua vida de trabalho ficava na mesa de jogos. Aquele homem que entrou com tanto na sala acabava de perder outro tanto em um segundo. Sorte de quem ganhou, azar de quem perdeu.
Essa história é fictícia, mas acontece em todos os cantos do mundo levando famílias a situações econômicas precárias e jogadores ao desespero. Não são somente as drogas lícitas e ilícitas as únicas capazes de viciar.

Na última reportagem da Série Especial sobre Vícios, a Nova Regional/Folha da Cidade traz uma entrevista com a psicóloga Ana Cláudia Ferreira de Oliveira que explica que o jogo pode ser patológico quando atinge a qualidade de vida dos jogadores. Confira:

Folha da Cidade – Vemos que para muitas pessoas, na maioria homens, o vício por jogos acaba sendo prejudicial à sua vida. Por que isso acontece?

Dra. Ana Cláudia Ferreira de Oliveira – O vício por jogos está dentro do que chamamos, na psicologia e na psiquiatria, comportamentos compulsivos ou aditivos. São comportamentos que acontecem repetidamente e com muita frequência, e dos quais a pessoa parece não conseguir se livrar. São como hábitos aprendidos e que são realizados em busca de alguma gratificação emocional, normalmente em busca de prazer ou de alívio do desprazer, como, por exemplo, alívio de ansiedades ou angústias excessivas. Apesar da maioria dos estudos sobre jogadores compulsivos ou patológicos ser dirigido a uma população eminentemente masculina, calcula-se que pelo menos um terço deles sejam mulheres.

Folha – Existem jogos amistosos, mas sempre são os que envolvem dinheiro os que mais chamam a atenção da pessoa viciada em jogos. Como isso pode ser explicado?
Dra. Ana Cláudia – A pessoa que realiza o jogo compulsivo ou patológico normalmente está mais em busca de “ação” que o dinheiro especificamente, e por causa dessa busca desenfreada por emoções cada vez mais fortes, ela tende a realizar apostas cada vez mais altas.

Folha – Quais sensações levam a pessoa a continuar jogando, mesmo sabendo que pode perder?

Dra. Ana Cláudia – Quanto mais o risco de ganhar ou perder aumenta, mais ela chega próximo ao nível de excitação desejado. E isso é uma busca sem fim, porque ela sempre vai precisando de mais e mais. Normalmente, essas pessoas não se satisfazem com o ganhar uma rodada, pois a busca está em manter um nível de excitação que as livre de suas angústias ou ansiedades. Só que o que acaba acontecendo, no final das contas, é um aumento do nível de angústia, além da sensação de falta de autonomia, porque não conseguem parar de jogar.

Folha – Desde a infância as crianças são induzidas a participar de jogos. Até que ponto isso é saudável ou pode fazer com que a criança crie a dependência por determinado jogo quando adulto?

Dra. Ana Cláudia – Os jogos e brincadeiras são estimulantes do crescimento infantil e do desenvolvimento do raciocínio lógico, da estratégia, do trabalho em equipe, da capacidade de integração social, e devem fazer parte do desenvolvimento normal de qualquer criança. A criança que não joga e não brinca não desenvolve a capacidade de simbolização e não pode experimentar o exercício da fantasia e da criatividade, tão importantes para a sua saúde psíquica.

Folha – Quando a pessoa que rotineiramente participa de jogos deve começar a se preocupar para que não ‘se vicie’ naquele ato?

Dra. Ana Cláudia – O jogo é um brincar. E é importante tanto para a criança como para o adulto saber brincar na vida, se permitir brincar, imaginar, fantasiar. Os jogos estimulam várias funções mentais e ajudam a criar um espaço fora da realidade concreta que traz alívio para quem joga. É o momento lúdico, o momento da brincadeira.
O jogo patológico é bem diferente de um jogar normal. Ele pode vir a tornar-se não só uma grande fonte de prazer, como talvez a única na vida dessas pessoas. O jogo patológico é uma doença que envolve, normalmente, dinheiro ou outros bens, e em quantias altas, pois o jogador compulsivo costuma se tornar inconsequente, gastando aquilo que não tem, perdendo a noção de realidade. Quem simplesmente joga pelo prazer da brincadeira não precisa apostar dinheiro. Quando o dinheiro começa a entrar em questão e o jogar parece ser a única fonte de prazer na vida de alguém, pode-se começar a ter mais cuidado com o comportamento da pessoa.

Folha – Em muitos casos, as pessoas viciadas em jogos só de dão conta de que sofrem algum tipo de dependência psíquica do jogo depois que perdem grandes quantias em dinheiro. Há tratamento para este tipo de dependência? Qual?

Dra. Ana Cláudia – As pessoas com jogo patológico frequentemente continuam jogando, apesar de repetidos esforços no sentido de controlar, reduzir ou cessar o comportamento. Há um reforço emocional no jogar. Quando a pessoa ganha, temos um reforço positivo imediato, mas o perder é “apenas” uma circunstância aleatória para o jogador compulsivo. Ele estará sempre na expectativa de ganhar. Além disso, a sensação de risco que envolve o jogador faz com que ele passe a repetir o comportamento, gerando a dependência.

Com relação ao tratamento, temos ainda poucas referências na literatura médica a respeito. Já existem no Brasil alguns Grupos de Jogadores Anônimos, mas a aderência a esse tipo de tratamento ainda é muito baixa. Outras opções são as terapias individuais ou em grupo. Muitos serviços de psiquiatria em ambiente universitário, como o da UNIFESP em São Paulo, têm se utilizado de psicoterapia de grupo, no intuito de auxiliar o jogador a sair do isolamento em que se encontra. As terapias familiares também podem ser indicadas com o propósito de implicar toda a família no contexto e no tratamento da doença daquele membro.
Pode acontecer também que haja transtornos afetivos associados ao jogar compulsivo, como depressão, transtornos de ansiedade, de humor, e dependência de álcool e drogas. Nesses casos, o tratamento com medicação psiquiátrica, tais como antidepressivos, está indicado.

Folha – Quais dicas a doutora dá para os familiares de pessoas viciadas em jogos?
Dra. Ana Cláudia – O caminho para o tratamento é, principalmente, reconhecer o problema e isso não é tão simples, primeiro porque o jogador compulsivo tende a esconder sua dependência. Depois, ele dificilmente reconhece a gravidade de seu comportamento, mesmo quando os outros o avisam do perigo. E, por fim, porque a própria família tem dificuldades de enxergar o problema tal como ele é, e normalmente a situação caminha até atingir um ponto onde se torna insustentável. O mais importante é que a família não seja conivente com seu comportamento.
Nossa sociedade não está habituada a considerar o jogo patológico como uma doença. E isso é reforçado diante do fato do jogador se apresentar como uma pessoa psiquiatricamente normal no geral. É preciso tomar muito cuidado com um discurso que engana e pretende justificar o comportamento do jogador e que a própria família às vezes sustenta, alegando que por eles trabalharem tanto e serem bons pais ou maridos, eles teriam direito a um pouco de lazer na vida. O lazer tem que trazer prazer e não mais desprazer e problemas para a família.

Em São Paulo, há o Ambulatório de Jogo Patológico da UNIFESP que pode ser um local de referência para os familiares que precisarem de mais informações: Proad – Unifesp/EPM, que fica à Rua dos Otonis, 887 – Vila Clementino – CEP 04025-002 – São Paulo/SP. O telefone é (11) 5579-1543.

(fonte: Jornal Folha da Cidade – Tietê – SP. Edição de 25/11/2005. Redação: Aline Pasin, jornalista)