Há algum tempo fui ao cinema assistir ao filme Armações do Amor. Há tempos não via uma comédia que me fizesse rir de verdade sem deixar de passar uma mensagem profunda.
O filme conta a história de um casal que tem um filho de 35 anos, solteirão, e que não quer saber se sair da casa dos pais. Eles resolvem contratar uma moça que os ajudará a tirar o filho de casa. Só que no meio do caminho, a profissional se apaixona pelo rapaz e ele por ela, e daí advém uma série de desdobramentos que prendem o público à trama.
A questão que me chamou a atenção no filme é a seguinte: os filhos acabam ficando na casa dos pais nem tanto pela mordomia e pelo conforto que têm lá, mas muito mais pela falta de autoestima. A falta de confiança em si mesmos, em seu potencial para viver uma vida própria, um relacionamento, constituir uma família, manter essa família, conquistar e manter uma boa posição profissional, etc., os faz ficar “atrasando” a saída da casa dos pais.
De outro lado, os pais, muitas vezes por medo de se verem sozinhos novamente, ficam contribuindo às vezes conscientemente, e muitas vezes, inconscientemente, para que os filhos não saiam de casa. Em geral, os pais, absorvidos na tarefa de cuidar da prole, há tempos não se veem e não se reconhecem mais como casal e a saída de casa dos filhos os obriga a enfrentar a verdade de seu relacionamento.
É claro que, da parte dos filhos, a falta de autoestima não é a única explicação para esse fato, mas hoje gostaria de falar da importância de se entender a questão sob esse ponto de vista.
Vivemos uma era extremamente competitiva e as oportunidades de trabalho e desenvolvimento profissional não estão disponíveis a todos. Primeiro há muito mais profissionais formados do que o mercado consegue absorver, e depois, muitos desses profissionais têm uma formação deficitária, seja porque estudar bem tem um alto custo nesse País, ou porque só o estudo não dá conta de uma boa e completa formação. Assim, é necessária a experiência no mercado de trabalho para que o profissional venha a ganhar corpo, e com isso, confiança naquilo que faz.
Muitas vezes os relacionamentos oferecem essa parcela de autoconfiança que falta às pessoas e isso ajuda na entrada e permanência no mercado de trabalho. Outras vezes, o desenvolvimento profissional melhora a autoestima do indivíduo e com isso ele se sente mais livre e animado a compartilhar sua vida com outra pessoa. Ele está vendo sua trajetória profissional ser feita e sente-se impelido a criar a dar continuidade à sua história pessoal e familiar.
Mas e quando nem uma e nem outra área da vida da pessoa andam bem? E quando os próprios pais, por temerem o reencontro com o outro do par, às vezes também por falta de autoestima, pelo medo de serem rejeitados ou de não serem mais amados pelo outro, ficam impedindo os filhos de seguirem seu próprio rumo?
Se observarmos nossas famílias e as relações mais próximas vamos ver uma série de exemplos parecidos. E muitas vezes percebemos que as pessoas estão aparentemente adaptadas à situação, mas o melhor seria dizer “acomodadas”. Isso porque essas pessoas não querem mexer no que causa sofrimento. Para os filhos, enxergar o verdadeiro motivo que os mantém na casa dos pais, os leva a encarar seus temores, suas faltas e a baixa autoestima, o que traz profunda dor. Para os pais, não é diferente. Reencontrar-se como homem e mulher depois de uma verdadeira “saga” como pai e mãe não é tarefa simples.
É preciso muita coragem para lidar com essa situação. Sair do casulo significa correr riscos, principalmente o risco de descobrir que não se é tão feliz assim quanto se pensava, não se é tão especial como se imaginava, e o risco de sermos rejeitados pelo outro.
Em primeiro lugar é preciso ser honesto consigo mesmo e admitir que se está vivendo essa situação, por mais triste que seja. Depois é começar a enfrentar dia-a-dia nossos temores, medos e ilusões. Só quando assumimos nossas verdades, sejam elas agradáveis ou não, é que podemos fazer algo com elas. Enquanto fecharmos os olhos para o que acontece, não se pode mudar o rumo das coisas. Mas quando assumimos nossa verdade interior, nós estamos nos assumindo integralmente e, nesse momento, a roda da autoestima já começa a girar a nosso favor. É dentro de nós mesmos que se encontra a inesgotável fonte de recursos e de amor próprio. E nessa tarefa, pais e filhos podem se apoiar, se ajudar e caminhar juntos em direção a uma vida mais plena e mais feliz.
*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.