A Depressão e o reencontro consigo mesmo

No artigo anterior falávamos que na depressão há uma profunda mudança no estado de ânimo da pessoa. Essa mudança é fruto de mudanças no equilíbrio bioquímico do cérebro e até hoje, não se sabe, ao certo, o que provocaria essas alterações.

Nos últimos anos, com o desenvolvimento de pesquisas e estudos na área da saúde, principalmente no que diz respeito ao estresse, sabe-se que vivências emocionais traumáticas podem provocar alterações no funcionamento cerebral e atingir o corpo, causando desde leves sintomas físicos até doenças que se instalam cronicamente.

A medicina moderna procura ter uma visão total do ser humano, o que pressupõe que para entender e tratar qualquer alteração física ou psíquica é preciso levar-se em conta a experiência emocional do paciente naquele momento e ao longo de sua história de vida. Aquele corpo e mente que apresentam um sintoma ou uma doença, não são simplesmente uma máquina em funcionamento, mas pertencem a um ser humano que sente e sofre infinitas experiências emocionais no seu dia-a-dia.

Quando uma pessoa consegue “processar” internamente os conteúdos emocionais de forma a elaborar as experiências que vai tendo no transcorrer da vida, há uma redução considerável nas chances de vir a desenvolver sintomas e doenças graves. Nesse caso, a experiência que veio trazendo um desequilíbrio do estado anterior, pode ser processada, e a pessoa alcança um novo equilíbrio, já com o acréscimo daquela experiência, o que, em geral, contribui para o amadurecimento.

Entretanto, quando a experiência vivida é muito traumática, ou há um excesso de carga emocional envolvida, fica mais difícil, para o indivíduo, contê-la dentro de si e elaborá-la. Quando isso acontece, é como se a experiência extrapolasse seus limites e viesse a atingir o corpo ou o psiquismo como forma de expressão daquele desequilíbrio. O estado anterior de equilíbrio em que a pessoa se encontrava não pode ser retomado com facilidade. Quando isso se repete inúmeras vezes na vida, há um acúmulo de dificuldades emocionais que podem ir, silenciosamente, se instalando no corpo, que passa, então, a apresentar sintomas.

É muito comum também que uma doença apareça quando a pessoa ignora os sinais de alerta internos. Nesse caso, a pessoa tem experiências emocionais que são difíceis de suportar, e ao invés de tentar lidar com elas, ou buscar ajuda especializada para tanto, ignora os sinais de que algo precisa ser feito. Pode ser, por exemplo, que algo precise ser dito para alguém, ou algo na vida da pessoa precisa ser modificado, ou, ainda, alguma atitude tem de ser tomada e é sempre adiada. Às vezes, trata-se até de uma ilusão que a pessoa vive e que não quer se desfazer dela. Tudo gera sofrimento, sofrimento este que só tende a aumentar a cada vez que se decide continuar a ignorar os sinais de atenção.

Podemos passar uma vida inteira fingindo para os outros, sermos ou sentirmos algo que não corresponde à realidade. Mas nós não podemos ignorar nossa verdade interior. Se não dermos ouvidos a ela, ela nos chamará a atenção, ainda que seja através de uma doença.

Nesse sentido, as doenças são tentativas de retorno ao equilíbrio perdido, por isso, não precisam ser vistas como um mal em si mesmo. Qualquer doença pode, e até deve, ser tida como um bem. É ela que pode levar a pessoa ao reencontro consigo mesma.

Não estamos com isso querendo fazer apologia alguma ao sofrimento ou ao sacrifício pessoal. A ideia é ampliar a consciência que se tem sobre as doenças que podem ser vistas como algo que vem para nos alertar de que estamos precisando de mais cuidado e respeito pessoal.

Essa mudança de ponto de vista, altera toda a possibilidade de recuperação e melhora. Se a pessoa pode enxergar a situação por esse prisma, ela compreende que a cura está muito mais nas suas mãos do que nas do médico, do terapeuta ou do medicamento. Há muito mais chances de melhora se a pessoa puder entender sua parcela de responsabilidade no tratamento e se dispuser a fazer algo por si mesma.

É claro que isso não é algo simples e fácil de ser feito. Primeiro, porque demanda coragem em admitir que a própria pessoa é responsável, em grande parte, pelo sofrimento que a acomete, e também porque é preciso reconhecer a necessidade real de ajuda especializada, procurar por ela e aceitá-la, o que significa confiar seus problemas e dificuldades a um outro que, como profissional, está preparado para oferecer ajuda e orientação necessárias naquele momento.

Esse processo de adoecimento e cura não é diferente nos casos de depressão. Assim como acontece na maioria das doenças, a pessoa deprime como um sinal de um corpo e de um “eu” que pedem cuidados.

Como o próprio nome diz, depressão tem a ver com rebaixamento, diminuição, letargia, enfraquecimento, e isso acontece porque há uma necessidade de recolhimento para recuperação. É como se a pessoa precisasse voltar para dentro de si e buscar os conteúdos emocionais que ela represou, não elaborou ou tentou esquecer.
A depressão está muito ligada ao autoabandono. A tristeza profunda, característica do estado depressivo, reflete esse abandono pessoal. O deprimido é alguém que há muito tempo não se vê, não se ouve, não se leva em conta, ou pelo menos não leva em conta suas necessidades emocionais. Ninguém entra em depressão profunda, a não ser que a causa seja unicamente orgânica (o que acontece, mas é raro), sem antes ter se deixado muito de lado e ignorado os sinais internos.

Uma pessoa que está sofrendo de depressão precisa de muito cuidado, carinho e respeito. Não deve ser tratada como fraca e nem coitada, pois, por incrível que pareça, até para nos deprimirmos precisamos ter força.

A depressão vem como uma tentativa do “eu” de se reorganizar. Para isso é preciso recuperar algo essencial que foi perdido, ou seja, o contato com o seu mundo interior, com sua essência. Essa redescoberta de si mesmo exige honestidade e coragem pessoal para um intenso e profundo trabalho interno.

É preciso olhar para dentro de si e se perguntar: onde eu errei comigo mesmo?; o que eu estive tentando ignorar em minha vida até agora?; quando comecei a me abandonar e perdi o contato comigo?; quem sou eu hoje?; o que eu sonhei um dia para mim é algo parecido com o que vivo hoje?; e outras questões que há muito tempo provavelmente essa pessoa não se faz, porque, em geral, não está acostumada a se olhar e a se ouvir.

Embora ninguém goste de sofrer, passar por uma depressão pode trazer um enorme ganho em termos de amadurecimento e autoconhecimento. Lidar com o que está mal resolvido e não elaborado só faz com que a pessoa se sinta mais dona de sua própria vida, e ao sair desse estado, poderá encontrar-se muito mais fortalecida e feliz.

Para se realizar pessoalmente na vida é preciso estar em constante e pleno contato com as necessidades emocionais para poder atendê-las. Nesse sentido, buscar ajuda médica e psicológica pode ser um primeiro passo em direção ao resgate de si mesmo.

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.