A Bulimia em “Páginas da Vida”

Na nova novela da Rede Globo, Páginas da Vida, o autor Manoel Carlos aborda, entre outros temas, a questão da ‘Bulimia Nervosa’, um dos transtornos alimentares mais comuns dos últimos tempos, que tem atingido mulheres de todas as idades.

A personagem Giselle, representada pela atriz Rachel de Queiroz, apresenta um comportamento característico de meninas com esse transtorno. Ela tem 10 anos e é estudante de balé clássico por influência e insistência da mãe, Anna, personagem vivida por Débora Evelyn. Anna é uma bailarina frustrada e tenta, a todo custo, que sua filha se torne uma bailarina de sucesso. Anna tem pavor que sua filha engorde e a vigia permanentemente, chegando a proibir os funcionários da lanchonete da escola de vender sanduíches e doces à filha. Giselle, com medo de ser repreendida, come o que quer, mas sempre escondida da mãe. Como não pode engordar e sente-se muito pressionada pelas exigências da mãe, ela começa a provocar vômitos logo após se alimentar.

Assim é a bulimia, um transtorno alimentar onde a pessoa come compulsivamente todo tipo de alimentos, que, assim que são ingeridos, passam a ser eliminados por meio de vômitos auto induzidos, uso de laxantes, diuréticos e exercícios físicos. Quem sofre deste transtorno tende a manter o peso dentro dos níveis de normalidade, o que pode dificultar aos familiares perceberem o que está acontecendo. Isto porque, através dos métodos de purgação, o que foi ingerido é eliminado e, assim, essas pessoas compensam o ganho de peso que poderia acontecer. Essa é a chamada bulimia de tipo purgativo.

Há, também, a bulimia não purgativa, em que a pessoa, após o ataque compulsivo a todo tipo de alimentos, realiza um jejum alimentar e exercícios físicos de forma exagerada com o intuito de queimar as calorias adquiridas.

Nos transtornos alimentares a grande questão manifesta é a preocupação excessiva com o peso e com a forma física. Há uma distorção da imagem corporal, e, normalmente, a pessoa se vê muito mais gorda do que ela realmente está.

Em geral tudo começa com uma simples dieta para perda de alguns quilos, porque a pessoa está em busca de melhorar sua autoestima, de sentir-se admirada, desejada, e principalmente, aceita pelas pessoas no meio em que vive. Com o tempo, a restrição alimentar vai aumentando e, com isso, os ataques compulsivos tendem a ser mais frequentes. A cada ataque a pessoa sente-se mais culpada por estar “estragando” a dieta e por sentir que não consegue se controlar. A culpa excessiva faz com que a pessoa use cada vez mais de métodos de purgação, e o ciclo instalado, se agrava.

Além do desejo de emagrecer e até mesmo junto dele, podem estar situações consideradas como “disparadoras” do transtorno como: rupturas e perdas afetivas, fracassos pessoais ou profissionais, e perda de posição financeira ou social. No entanto, por detrás de tudo isso, existem questões emocionais muito mais complexas e significativas envolvidas no processo bulímico. Só para citar um exemplo, é comum encontramos nesse tipo de paciente uma depressão profunda que se arrasta por anos, e que pode ter permanecido disfarçada e até mesmo inconsciente para a própria pessoa que sofre. Em geral, as pacientes bulímicas são extremamente extrovertidas e falantes, o que passa a falsa impressão, à primeira vista, de que estão longe de sofrer uma depressão.

O tratamento para esses transtornos precisa ser multidisciplinar para ser eficiente, envolvendo um médico psiquiatra, um psicólogo ou psicoterapeuta, e um nutricionista, formando um tripé, que alia a medicação, o entendimento psicodinâmico do sofrimento da paciente e um processo de reeducação alimentar.

Entretanto, a adesão das pacientes ao tratamento não é uma questão simples, pois elas não aceitam que estejam doentes e que precisem de ajuda. Além disso, a mídia mundial cultua a imagem do corpo magro e esquelético, o que não contribui em nada para o reconhecimento do problema como uma verdadeira doença. As pacientes querem emagrecer a todo custo e mesmo sabendo que algo não vai bem com elas, tendem a esconder os sintomas e a se isolar cada vez mais, permanecendo fechadas e solitárias em seu enorme sofrimento.

As recaídas e a cronificação nos casos de bulimia também são muito frequentes, por isso é necessário, além de um acompanhamento intensivo por uma equipe multidisciplinar, a participação efetiva da família e dos amigos para o esclarecimento da situação e a tomada de atitude, pois o objetivo maior deve ser a diminuição do sofrimento e a obtenção de uma melhor qualidade de vida para a paciente.

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.