Outro dia estava assistindo a um programa de televisão que tratava do suicídio entre os jovens. Foram ao ar casos de adolescentes que diziam ter passado por profunda depressão e que, num determinado momento, decidiram colocar fim às suas vidas, acreditando, ser essa, a única forma de acabar com tamanho sofrimento.
No entanto, em todos aqueles casos, a tentativa de suicídio havia sido frustrada. Eles sobreviveram: sem pernas, o rosto desfigurado, com perda da visão, ou com qualquer outra pequena ou grande limitação. A vida havia vencido a morte.
E o mais interessante: todos diziam ter encontrado um novo sentido em suas vidas depois do ocorrido. Diziam ter aprendido a viver melhor e sentiam-se mais felizes.
Intrigada com o que ouvia, peguei-me pensando na intensidade dos acontecimentos.
Perguntas surgiam em minha mente quando eu tentava refletir sobre tudo isso. Qual seria o sentido do que havia ocorrido com essas pessoas? Qual era a base dessa transformação? O profundo sofrimento vivido?
Sabemos do altíssimo índice de suicídios na adolescência, chegando a níveis assustadores em alguns países. Vimos nos últimos tempos, principalmente nos EUA, estudantes matando colegas nas universidades, enquanto todos parecem viver num delírio coletivo de uma guerra contra o terrorismo, contra quem está lá, do outro lado do mundo. Sem um olhar cuidadoso, os jovens vão crescendo por aí, como podem. E, quando todos se dão conta, eles já tomaram para si, o direito de decidir quem vive e quem morre.
Todas essas histórias tristes que vemos parecem, na verdade, resultado da intolerância, que existe em nosso “mundo moderno”, à dor e à tristeza. Isso pode soar esquisito: sofremos com a intolerância à dor e à tristeza, sendo que a dor e a tristeza já são sofrimentos por si só? Sim, é fato. Sentir dor ou tristeza é sofrido, mas, pior do que isso é não poder sofrer a dor sentida. Nesse caso, os efeitos podem ser muito mais danosos, como vemos na situação desses adolescentes.
Em nossa sociedade há uma busca incessante pelo “não sentir”. Não há tolerância para o “fracasso”, o “erro”, o “atraso”, o “diferente”. Tudo tem de acontecer rápido, de modo perfeito e se transformar em um estrondoso sucesso.
As revistas de negócios lançam matérias de capa, enormes, com dados de pesquisa
e tudo o mais, que revelam a tamanha infelicidade dos considerados “executivos de sucesso”. À infelicidade deles, soma-se a da esposa (ou marido) que sente a falta do outro, e a dos filhos, que crescem também solitários, muitos sendo criados pela babá Ms. Internet.
A exigência, hoje, não é mais que se seja super em alguma coisa, mas sim super-hiper-extra-mega-blaster-e mais alguma coisa se for possível, em tudo. Não há tempo e espaço para que as pessoas possam chorar suas dores, ou rir da vida e de si mesmo. Não há tempo para ligar para os amigos (aliás, amigos? Que amigos? Só se forem aqueles 562 amigos virtuais que são mantidos nas diferentes redes sociais).
Os pais cada vez mais culpados, por não terem como criar seus filhos, pagam, não só financeiramente, um alto preço para tentar amenizar essa culpa e seus efeitos devastadores. A preocupação em ser super em tudo, faz com que esqueçam do maior compromisso consigo mesmos, nessa vida, que é a procura pelo bem-estar e a própria felicidade.
No mundo de hoje, quanto menos pudermos sentir, principalmente emoções desagradáveis e doloridas, melhor parece ser. No lugar do sofrimento, que poderia trazer crescimento, entra a “anestesia” que nos mantém cada vez mais alienados. Daí a indústria farmacológica lucrando, absurdamente, com isso.
Olho para tudo isso, lembro dos estudantes “suicidas”, e fico pensando nessa alienação, como fruto da falta de profundidade e leveza na vida moderna. Por mais paradoxal que possa parecer, só se pode ter leveza na vida, com algum nível de profundidade, e esta implica responsabilidade pessoal.
Em geral, quando ouvimos que somos responsáveis por nossa vida, nossa felicidade, muitas vezes temos vontade de sair correndo (Eu? Quem?). Já carregamos tanto peso por tanta coisa, e ainda temos que nos responsabilizar pela vida?
Muitos tendem a associar responsabilidade à seriedade e, por sua vez, seriedade à rigidez. Mas essa é uma visão parcial, que restringe, por demais, os conceitos.
Viver com responsabilidade nada tem a ver com rigidez. Ao contrário, tornar-se responsável pode significar levar a vida de forma mais leve, menos engessada, menos sobrecarregada de valores, que muitas vezes não são nossos, e não nos damos o direito de questionar.
Assim é que profundidade e leveza caminham juntas. O contato profundo com nossas emoções, sentimentos, dores, alegrias, desejos, sonhos, ajuda-nos a caminhar pela vida, de modo mais consciente, usufruindo cada momento de forma integral, e auxiliando-nos nas decisões do que queremos para nossa vida.
Fazer escolhas, mais adequadas a cada um de nós, é um privilégio e, ao mesmo tempo, um direito a ser exercido. Muitas pessoas agem como se não tivessem essa possibilidade, e acabam deixando-se levar pelos outros, ou levando tudo muito a “sério”, vivendo de modo rígido, sem qualquer consciência de como estão conduzindo suas vidas.
A rigidez de pensamento nos faz viver na superficialidade. Somente quando questionamos, no interior de nosso ser, as “verdades” que nos são passadas como “absolutas”, podemos sair do nível superficial e mergulhar em direção a uma existência mais real, viva e profunda.
Ouvimos, aos quatro cantos, que temos que ser sucesso em tudo, ou que somos os responsáveis pela mudança do mundo, pelo futuro do planeta. E, no fundo, somos mesmo, pois o futuro é o resultado do que escolhemos fazer no presente. Mas não há futuro algum sem presente, por isso é preciso viver com consciência o dia de hoje.
O exercício constante de voltarmo-nos para nosso mundo interior, proporcionando-nos momentos de paz, prazer, alegria, descanso e reflexão, ajuda-nos a separar o que são obrigações impostas, pelo mundo, e sem qualquer sentido para nós, do que realmente faz sentido em nossa existência.
Sempre que puder, pare e reflita: O que é sucesso para você? Atrás do que tanto corre todo dia? Onde está querendo chegar? E chegando lá, o que acha que encontrará?
Precisamos nos perguntar, no meio do turbilhão do dia-a-dia, quais são os sonhos e desejos que preenchem, alimentam e satisfazem nossa alma, e o que podemos fazer hoje por nós, por nosso meio, nossa casa, nossa cidade e, também, pelo nosso planeta.
Na aventura dessa viagem interior, podemos descobrir que muito do que buscamos lá fora já existe dentro de nós, a espera de que possamos parar, sentir e ouvir.
Ir atrás de realizar tudo que nossa alma anseia, tendo a sabedoria de desfrutar, cada dia, como se fosse o último, e cada experiência, como se fosse a primeira, levando a vida menos a “sério”, de forma mais solta e leve, e nem por isso menos consciente, pode nos trazer enorme satisfação em viver.
*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.