Casamento e Crise

Costumo dizer aos casais que atendo em terapia, que as crises estão para um casamento na mesma medida em que a depressão está para quem é vivo. Ou seja, se estamos vivos, ou já passamos por momentos de depressão ou ainda vamos passar.

Sempre que sofremos algum golpe da vida, alguma transformação importante, ou estamos em via de passar por isso, precisamos de tempo para elaborar e assimilar as mudanças, para só depois continuarmos nossa jornada. É nesses momentos que a depressão tende a aparecer, até mesmo como uma possibilidade de nos recolhermos em nosso mundo interior, entendermos o que está se passando e daí, então, ganharmos energia renovada para seguir em frente.

Assim também acontece no casamento. Não há casamento que exista sem passar por crises.

As crises no casamento acontecem porque o par que se casa passa por transformações. Algumas maiores, outras menores, mas sempre há mudanças acontecendo. Às vezes um amadurece mais que o outro em tempos diferentes, ou um se desenvolve profissionalmente mais rápido que o outro. Mudam os tempos, mudam os interesses, as pessoas se renovam, e é preciso que o vínculo também passe por essa renovação.

Os contratos de casamento precisam ser atualizados como todos os outros tipos de contrato existentes. Achamos natural rever contratos de aluguel de um imóvel, por exemplo, porque sabemos que o mercado altera valores de tempos em tempos, e essa alteração precisa ser incorporada ao contrato, seja para aumentar ou diminuir o valor ou o tempo de revisão do contrato.

Mas nem de longe agimos com a mesma naturalidade, quando o assunto é o casamento. Seja pela formação religiosa e pela educação muito rígida que recebemos, ou pelo medo de enfrentar uma situação de mudança, a verdade é que é sempre muito difícil falar abertamente sobre o que fazer, quando um casamento não caminha como imaginamos.

Os contos de fada e as novelas, assim como os romances encontrados nos livros, relatam histórias de busca por um amor, de enfrentamento de obstáculos para que o casal se encontre, e termina sempre quando há esse encontro com o famoso “felizes para sempre”. Final de novela tem sempre muito casamento e muita gravidez, já repararam? E tudo parece que será maravilhoso a partir daí. Quando, na verdade, a história real está apenas começando.

É no dia-a-dia de uma vida em comum que as relações são testadas, que o amor é posto à prova. Mas não há mesmo amor nesse mundo, que resista sem que haja muita lealdade, respeito, maturidade e honestidade da parte das duas pessoas, para enfrentarem, juntas, as dificuldades que vão aparecendo.

Quando temos um sintoma físico, em geral, vamos ao médico o mais rápido possível, para saber do que se trata e para que um mero sintoma agudo não se transforme em algo mais crônico que pode ser de muito mais difícil tratamento.
Mas, em se tratando de relações e casamento, não temos a tendência a ter esse comportamento. Quando vemos uma crise chegar, preferimos pensar que ela é apenas uma crise e que passará. Aliás, esse comportamento é muito mais típico dos homens do que das mulheres que, em geral, percebem mais o que acontece na relação a dois, mesmo que ainda tenham dificuldade em comunicar isso ao parceiro.

Toda crise é realmente uma crise passageira, desde que a tratemos como crise. Se ignorarmos seus sinais e seus sintomas, deixamos que ela se alastre e tome proporções muito maiores. Sem nos darmos conta, vamos criando um fosso profundo entre o casal, e quando menos percebemos, já não formamos mais um verdadeiro par.

Há muitos casais, nessas situações, que permanecem aparentemente como um casal, dividem suas contas, os filhos, o mesmo teto, mas não o mesmo “lar”. Na maioria das vezes, não há mais o encontro de almas e a divisão dos mesmos ideais, há muito tempo. Ele toca sua vida e ela também, cada um a seu modo, sem considerar que o outro, um dia, já fez parte de sua vida e de seu sonho de amor e de felicidade.
Aliás, sonho de amor e de felicidade são coisas que já ficaram muito distantes para essas pessoas, massacradas que foram sendo ao longo do tempo pela rotina estressante, pela falta de carinho consigo mesmo e com o outro, pela falta de cuidado com a relação a dois.

É verdade que não existe relação perfeita. Porém, não existe sonho de amor que sobreviva à realidade da vida diária, se não houver um cuidado constante por parte do casal. É preciso respeito, união, vontade de realizar e de responsabilizar-se pela manutenção do par, abrindo espaço para perceber, incorporar e assimilar as modificações inerentes à passagem do tempo, sejam elas físicas ou psíquicas, materiais ou imateriais.

Quando há espaço entre os parceiros para que a crise aconteça e para que dela advenha a transformação necessária, o casamento se renova e a relação se solidifica ao longo do tempo, fortalecendo emocionalmente o casal. O par que se casou lá atrás, já não é mais o mesmo, e em meio às diferenças e novidades, que os dois trazem para a relação é que eles alcançam a possibilidade de se reencontrar amorosamente.

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.