Adolescência e consumo

A questão do consumismo desenfreado entre os jovens tem causado preocupação nos últimos tempos. É verdade que não são somente os mais jovens que apresentam esse tipo de comportamento. Mas, aqui minha atenção volta-se para eles uma vez que considero a adolescência um momento muito especial da vida de qualquer pessoa.

É, na adolescência, que aquele que já não é mais uma criança, vive uma crise de identidade pessoal, algumas vezes mais e outras menos intensa, na busca pela inserção no mundo social adulto e no mercado de trabalho. O jovem sofre porque o mundo infantil não lhe serve mais, e tudo o que ele quer é não ser visto mais como uma “criança”. No entanto, o mundo adulto também ainda não lhe é adequado, pois ele está em processo de formação e carece de um amadurecimento que só o tempo e a vivência das questões e crises da adolescência lhe trarão.

Nesse sentido, a adolescência é um momento da vida onde a pessoa encontra-se de certa forma fragilizada. Ela começa a entrar em contato com o mundo adulto que, se de um lado é rico, interessante e cheio de novidades e liberdades que não se têm na infância, por outro lado é também cheio de perigos e de responsabilidades que muitas vezes a pessoa não está totalmente preparada para enfrentar sozinha. O jovem vive intensamente essa fase, lutando por encontrar uma identidade pessoal que o defina e o diferencie dos pais, marcando sua independência destes.

É especialmente nesse momento que os grupos ganham muita força entre os adolescentes. Pela própria necessidade de ser compreendido, aceito e de se sentir identificado com a vida, os adolescentes se reúnem em grupos ou gangs. É aí que o jovem busca e encontra o apoio de seus pares e uma identidade que ele, como indivíduo, ainda não tem. Ao encontrar seus semelhantes, o jovem lida melhor com as angústias típicas dessa fase de transição. Cada um desses grupos tem uma identidade própria, como por exemplo, os grupos dos mauricinhos, das patricinhas, dos rappers, dos skatistas, dos surfistas, dos esportistas, etc., todos formados em função da identificação de gostos e opiniões pessoais dos jovens que os compõem.

É nesse momento que a mídia pode exercer muita força entre os jovens, e se aproveita disso para vender ideias e produtos que nem sempre fazem tão bem à saúde física, psíquica e financeira do jovem e de sua família. É passada a ideia de que se você usar a roupa da marca “X” você é uma pessoa legal, transada, atual, mesmo que a roupa da marca seja extremamente cara e que a maioria da população brasileira não possa comprar sem que se endivide ou abra mão de outras coisas que podem ser muito mais importantes e às vezes necessárias.

O avanço na tecnologia também interfere nesse processo. Cada mês que passa temos uma série de celulares novos sendo lançados, modelos de tênis diferenciados. E a mídia, aliada à rapidez com que se produzem novos e mais modernos produtos, passa sempre a mensagem de que aquele produto que você comprou no mês passado e que lhe custou os “olhos da cara” já é considerado ultrapassado e não é mais o “melhor” e o “mais moderno”. E para que você não se sinta rejeitado ou excluído socialmente, é preciso que você tenha o “melhor” e o “mais moderno”.

O jovem é presa fácil dessa ideia, uma vez que está em formação e quer ser aceito no meio em que vive. Em nossa sociedade capitalista é preciso que você tenha o melhor, pois aqui você é aquilo que você tem, e não aquilo que você sente, pensa, cria ou faz. Então, vemos pais e mães se esgotando de tanto trabalhar para alcançar um poder aquisitivo que lhes permita comprar o tênis e o celular mais moderno que os filhos insistentemente lhes pedem. Muito pouco tempo sobra para se relacionarem de verdade com os filhos, discutirem ideias, conhecer sobre o que estão pensando, ou seja, conhecerem quem é esse jovem que ali debaixo do mesmo teto se transforma em adulto. E o mais irônico e terrível é que tudo pode se acabar na próxima esquina se esse jovem levar tiros de um “bandido”, que pode ser só outro jovem que também está tentando, ao seu modo e de acordo com sua possibilidade, conseguir para si o mesmo produto que a sociedade lhe diz que é imprescindível ter.

Sabemos que os meios de comunicação social não se mostram preocupados em formar cidadãos, mas sim consumidores para o mercado. Vivemos em um País onde já pagamos muito caro para ter condições mínimas de sobrevivência. Não temos saneamento básico em uma série de regiões. Não temos educação de base para a grande maioria da população e tampouco atendimento de saúde decente. Mesmo assim, vemos pessoas sem o mínimo de educação e cultura, deixando de adquirir um seguro saúde, cursar uma faculdade, ou mesmo comprar a casa própria, para se endividar na compra de bens de consumo supérfluos, muitas vezes levados pela ideia de que serão esses produtos que os tornarão pessoas de “valor”.

A chamada “cultura do Shopping Center”, que faz um jovem sentir-se importante quando se veste com marcas famosas de tênis e de roupa, torna a vida fútil e esvazia a mente. Como diz a escritora Lya Luft, a futilidade é “a alma com osteoporose” (Perdas & Ganhos, Editora Record). Quem compra a cultura do ter é só mais um dentro do espírito de rebanho do consumo. É mais uma peça da máquina deste tipo de mercado que tanto nos desumaniza e aprisiona.

Vejo que um dos desafios atuais mais profundos para os pais e educadores é ajudar os jovens a se libertarem do consumismo desenfreado que aliena e enfraquece a estrutura de nossas famílias. Para tanto é preciso priorizar a questão da autoestima na formação do indivíduo. E isso se faz por meio da valorização da educação em todos os níveis, do resgate da importância das relações familiares e da cultura popular.

É fundamental que se ofereça uma estrutura aos jovens para que possam se descobrir importantes pelo que são, pela postura ética que apresentam, pelo modo como pensam, como agem e como se responsabilizam por si e pelos outros com quem convivem. É preciso mostrar a eles, desde pequenos, que não se torna um ser humano melhor pelas coisas que se pode comprar, mas que a importância pessoal de cada um é construída por meio da consciência que se tem de quem se é, da sabedoria interior que existe em cada um de nós, e do amor que se pode ter pela vida, por si mesmo e pelos outros.

O Brasil do futuro é o país formado por esses jovens que serão adultos daqui a pouco. E uma nação só é forte se seu povo possui autoestima, educação, raiz, cultura, valor próprio, e principalmente liberdade de pensamento e de escolha. Precisamos começar a repensar essas questões junto aos jovens e crianças para que possamos construir um País melhor, especialmente mais rico em humanidade.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.