O difícil término dos relacionamentos – Parte II

No último artigo falávamos sobre o quão difícil é terminar um relacionamento ou lidar com o fim dele. Naquela ocasião preferi abordar o tema a partir do ponto de vista daquele que “sofre” a separação, ou seja, aquele que tem de aceitar a decisão do outro de romper a relação.

Pois bem. Neste artigo quero conversar com vocês sobre a não menos difícil situação em que fica aquele que pede a separação.

Ao longo da vida temos de ir fazendo várias escolhas, e decidir por um caminho ao invés de outro nem sempre é tarefa simples, principalmente, quando estamos lidando com as emoções e os sentimentos que temos por uma pessoa.

Como conversávamos anteriormente, se, de um lado, aquele que, mesmo não querendo, tem de aceitar a decisão do outro de se separar, é normalmente visto como vítima da situação; o outro, aquele que pede a separação, é consequentemente, colocado na posição de algoz ou vilão da história.

É muito comum ouvirmos comentários do tipo: “Nossa, coitada(o), ela(e) gosta tanto dele(a) e ele(a) terminou o relacionamento assim, sem mais nem menos”, ou “Mas como ela(e) pôde terminar o casamento com um partido tão bom como ele(a). Ele(a) é tão bom; vai sofrer muito”.

Quantas vezes ouvimos ou nos pegamos falando esse tipo de coisa? Com certeza, se você for honesta, vai considerar que muitas vezes pensou assim, não? Pois bem. Pensemos um pouco sobre o assunto.

Essas figuras “vítima” e “vilão(ã)” vemos muito nas histórias infantis e nos contos de fada, onde encontramos também os personagens do “mocinho” e do “bandido”, ou da “bruxa má” e da “fada madrinha”. Mas, será que quando estamos falando de relacionamento, na vida real, entre duas pessoas adultas, livres e desimpedidas, com capacidade de escolha e decisão, podemos pensar nessas figurações? Não seria mais justo e mais realístico pensarmos que cada pessoa é livre para decidir o que acontece em sua vida e, principalmente, responsável por aquilo que lhe acontece?

Nas histórias infantis, o vilão é sempre visto como o total responsável pelo sofrimento da vítima. É como se a vítima ocupasse o lugar do bem, da inocência, da fragilidade; e o vilão, o lugar do mal, da esperteza, da força. Isso mostra uma cisão, uma separação de elementos que existem juntos em qualquer um de nós, e que, na verdade, compõem a riqueza e a ambivalência de emoções presentes no ser humano.

Toda pessoa tem dentro de si a bondade e a maldade, a inocência e a esperteza, a fragilidade e a força.

Entretanto, vai depender de cada pessoa o modo como ela vai lidar internamente com essas características ao longo da vida. Há quem escolha negar dentro de si suas potencialidades e, consequentemente, a responsabilidade pelo que lhe sucede na vida.

Normalmente, quem fica no lugar de vítima das situações, o famoso “coitado” ou “coitada”, é alguém que, ao contrário do que se possa imaginar, tem dentro de si a força e a inteligência, mas que, negando suas potencialidades, decide, ainda que seja inconscientemente, entregar essa potência nas mãos do outro. É aí que o outro entra, às vezes sem perceber, no lugar de algoz e vemos, mais uma vez, a vida imitando a arte.

O fato é que as pessoas não gostam muito de se responsabilizar. É mais fácil e mais cômodo, por um lado, você colocar a culpa pelo que lhe acontece em alguém ou em algum acontecimento externo a você. E é exatamente o que acontece quando aquele que pede o fim de uma relação, ou que simplesmente a declara – porque muitas vezes a relação já acabou há muito tempo – é colocado no lugar de vilão e malfeitor da história.

Toda decisão tem consequências. Não é mesmo fácil tomar determinadas decisões na vida, principalmente quando essas decisões envolvem os sentimentos de outra pessoa, ou de muitas pessoas juntas, como no caso do fim de um casamento, ainda mais quando se têm filhos no meio. Mas, ser adulto no mundo, implica em se responsabilizar pela sua vida, e isso, eventualmente, causa reflexos na vida dos outros com quem você se relaciona. E “reflexos”, “consequências”, e “responsabilidade” são coisas diferentes de “culpa”.

Assim, aquele que decide, seja lá qual for a razão, terminar um relacionamento ou um casamento, não é culpado pelo “mal” que está causando à outra pessoa, ou à família e aos filhos, porque não há “mal” nessa história. O que acontece é que mudanças vão advir dessa escolha, e nesse sentido, aquele que opta pelo término é apenas e tão-somente responsável por essas mudanças. E a responsabilidade, nesse caso, é tanto dele quanto do outro que “sofre” a decisão do término.

Essa não é uma tarefa fácil, porque temos dificuldade em aceitar que somos responsáveis pelo fracasso de alguma coisa em nossas vidas. Gostamos de ser responsáveis por um bom relacionamento que se inicia, ou por algo que dá certo em nossas vidas, mas não gostamos nem um pouco de assumir que fracassamos. Quando um relacionamento termina, o fracasso fica evidente. E quanto mais dificuldade essa pessoa tiver para lidar com os fracassos de sua vida, as perdas, os limites e os “nãos”, mais ela vai sofrer tomada de vergonha e de culpa. Consequência disso é que, se ela não aguentar essa culpa e essa vergonha, lhe cairá muito bem arrumar um lugar de vítima e um vilão para responsabilizar pelo seu sofrimento.

Entender que a vida é feita de altos e baixos, de “sim” e “não”, de momentos bons e de momentos difíceis, faz com que a pessoa tenha amadurecimento e possibilidade de conter dentro de si essas experiências e transformá-las.

Quando um relacionamento não der certo em sua vida, melhor do que procurar “culpados”, é entender a situação como mais uma tentativa sua, e do outro, de fazer um relacionamento dar certo, mas, que, infelizmente, ainda não deu. Se assumir a sua parcela de responsabilidade pelo ocorrido, poderá refletir sobre o que levar da situação como aprendizado para que, numa próxima relação, você esteja mais forte, inteiro e com melhor capacidade de escolha e discernimento. Lembre-se que as boas relações não são só feitas de amor e paixão, mas, também de muita inteligência e sabedoria.

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.