A juventude e o canto da sereia

Cada vez mais noto como faltam referências aos jovens de hoje. Os pais e a escola têm a função de educar as crianças e os jovens e prepará-los para a vida adulta. Deveriam ser aqueles os responsáveis por transmitir a cultura, os valores, e as referências. Mas isso já não acontece.

Do lado dos pais, vemos que são tantas as reviravoltas e mudanças em nossa sociedade, em seus papéis como homem e mulher, marido e esposa, em seu ambiente profissional, que eles também estão perdidos sem saber muitas vezes que rumo dar às suas próprias vidas.

Do lado da escola a situação é pior. Os professores que antes eram vistos como representantes dos pais, hoje são desrespeitados e maltratados, pelo sistema educacional e pela sociedade em geral. Os professores perderam seu status, e o que eles ensinam não tem valor. São pessoas mal remuneradas, que vivem mal, e em geral, estão infelizes. São um anti-modelo em nossa cultura consumista que privilegia o “ter” em detrimento do “ser”.

As referências atuais se resumem ao “quanto”: quanto de dinheiro se tem, quantos carros e casas, quantos cursos no seu currículo, quantas pessoas se conhece… Mas, o “como” se tem tudo isso, ou seja, em que condições de qualidade – ou não – se tem tudo isso, não vem ao caso.

A cultura do consumo e do poder pelo “ter”, só faz aumentar a angústia dos jovens, pois, como a importância está no ter, e são muitos os que não têm nada, temos uma juventude que cresce a margem da sociedade e que é alvo fácil da depressão, das drogas, e da criminalidade. Para os que têm, também são poucas as chances de um caminho melhor, pois uma conta bancária bem recheada, permite que se abram muitas portas, mas que nem sempre podem ser bem aproveitadas, pois é preciso estar inteiro e pleno em tudo que se faz para que se tenha êxito externo e paz interior.

A economia do País achatada, aliada ao aumento populacional, faz com que a concorrência seja muito grande, e a quantidade de oportunidades ofertadas aos jovens que chegam ao mercado de trabalho, diminutas. Faltam, assim, perspectivas para um futuro melhor.

Antes as pessoas trabalhavam para construção de um modelo familiar e de indivíduo e hoje isso se deteriorou. Os modelos antigos não nos servem mais, mas também não temos modelos novos para seguir.

A ideia da pós-modernidade é a do “não compromisso” e do excesso de oportunidades.

Os filhos da cultura “fast food”, não querem se comprometer e se responsabilizar. Tudo é muito rápido, ágil e intenso, e é preciso aproveitar alucinadamente cada curtição nova que surge, por mais efêmera que seja. E quanto mais novidades tiverem, melhor, pois assim não haverá tempo para se dar conta do vazio enorme que perpassa pela alma, escondida que está atrás de tanta maquiagem e de produtos de marca.

As pessoas equivalem o compromisso a uma ideia de prisão. Como se comprometer com alguma coisa, uma profissão ou uma pessoa em um relacionamento, se existem tantas outras oportunidades batendo à sua porta? O problema é que não existe, de fato, essa quantidade imensa de possibilidades. Existem pseudo-oportunidades a toda hora acenando para nós e prometendo uma vida melhor. É o tal do canto da sereia, que pode nos atrair para o fundo do mar.

Em meio a essa ausência de referências externas, é preciso se fazer um esforço e procurá-las dentro de cada um de nós. É necessário parar em meio a esse turbilhão de possibilidades para o exercício do sentir. Sentir o que eles querem de verdade para suas vidas e para o futuro da humanidade.

O futuro é o nosso presente. A cada dia estamos construindo um pouco de nossas vidas e do mundo em que vivemos. É preciso fechar os ouvidos para o canto da sereia, para ouvirmos a música que canta em nossa alma. Só ela nos levará para o lugar em que precisamos estar. E esse lugar, com certeza, não será o fundo do mar.

 

*Ana Claudia Ferreira de Oliveira é Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalista em São Paulo.